Patricia Tenório 1 de janeiro de 2020

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Uma vez me disseram que o amor perfeito é a literatura.

Concordo quando lembro dos inúmeros romances maravilhosos, contos estupendos, poemas ou ensaios que nos deixaram degustando cada sílaba, palavra, estrofe ou parágrafo, até entranhar em nossos pulmões, e nos fazer levantar para um novo dia.

A literatura nos salva. Nos salva de nós mesmos, das nossas impossibilidades, dos limites que o mundo nos dá, sem ao menos perguntar se teremos condições ou se saberemos superá-los.

A literatura me salva. E lembro dos momentos em que a escrita me retirou do escuro que a vida impôs, e nasceram As joaninhas não mentem, em 2006, Grãos, em 2007, A mulher pela metade, em 2009, D’Agostinho e Diálogos, em 2010, Vinte e um e A menina do olho verde, em 2016. Cada um desses livros respondeu a alguma impossibilidade, eles mostraram que todos somos capazes de chegar ao fundo do poço e retornar à superfície, sentir o frio do escuro da vida e vislumbrar uma luz no fim do túnel.

Mas, principalmente, os outros nos salvam. Li em um poema de Bernadete Bruto (PE, Brasil) que até os inimigos nos acrescentam, porque nos fazem olhar para o próprio umbigo e enxergar nossas imperfeições.

Acredito, e sempre quero acreditar, que viemos para esta vida, para este mundo somente, e apenas somente, para o afeto. Todos queremos amar e sermos amados – este é o amor perfeito. A literatura nos dá o que os seres humanos nos negam. Quem escreve busca nos outros o afeto para o qual fomos feitos, e com o qual fazemos tudo possuir um sentido.

Em novembro de 2019 completei 50 anos de existência. Quantos outros marcaram profundamente a minha vida e que nem pude agradecer o suficiente? Alguns fazem parte inexorável do meu dia a dia. Alguns se foram para uma dimensão diferente da nossa. Alguns estão distantes espiritualmente por causa de desavenças, ou mesmo distantes fisicamente, mas continuam amigos. São para todos os outros da minha vida que dedico cinco livros lançados no meu aniversário, e que contêm um pouco de cada gênero literário que me constituiu escritora, que me forjou pessoa, eles me fizeram ser quem eu sou.

Porque, contradizendo o grande filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre, se permitirmos, o inferno ou o inimigo não são os outros. Somos nós mesmos.

Obs: Patricia Gonçalves Tenório (Recife/PE, 1969) escreve prosa e poesia desde 2004. Dezesseis livros, cinco no prelo, com premiações no Brasil e no exterior, entre elas Primo Premio Assoluto por A menina do olho verde (em outubro, 2017), pela Accademia Internazionale Il Convivio, Itália), e Prêmio Marly Mota (2013) da União Brasileira dos Escritores – RJ pelo conjunto da obra. Mestre em Teoria da Literatura (UFPE) e doutora em Escrita Criativa (PUCRS), ministrante dos Estudos em Escrita Criativa  desde 2016 e organizadora das coletâneas Sobre a escrita criativa I (2017), II (2018) e III (prelo, 2020). Contatos: [email protected]www.patriciatenorio.com.br

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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