Hoje eu quero falar só de gente que não vejo há muitas décadas. Não é nem de muitos anos. É de tempo tão grande que já me assusta. Para começar, invoco o nome de Moura, que morava na Av. Otoniel Dorea, filho único, ele baixo, rosto miúdo, o pai, ao contrário, um grandalhão. É do meu tempo de ginásio, embora, acredito, mais novo que eu. Vasculhando a memória, acho que mudou-se para Aracaju mais ou menos no mesmo período em que para aqui vim estudar o curso clássico. Outro nome: o de Adelmo, filho de Zé Magneto. De certeza plena, o vi a última vez quando ainda fazia o curso clássico. De lá para cá, só notícias esparsas, de século em século, dele e dos irmãos, que Luiz Carlos me passa. E Mauricinho, que um raio quase mata, nos idos de 1962, quando, pendurado no muro do antigo Estádio Etelvino Mendonça,  assistia a uma partida do Itabaiana, vendo o seu vizinho cair fulminado, notícia que só, no dia seguinte, no ginásio, a gente soube? E Romualdo, magro e pálido, dessas crianças que, ao que parece, já simbolizavam uma doença ambulante, cujo pai, Zé Confeito, morreu de um choque na Sub-estação da Chesf, que, à época, a gente denominava de subestação? Aroaldo morava na casa de Caçula de Zezé Aleijado.  Devia ser uns cinco anos mais velho do que eu. De quando em quando, eu, ele e Bosco íamos ao oitão do Cemitério tentar matar lagartixa com um arco e flechas feitos de peças de guarda-chuva. Um dia saiu da casa, vindo para Aracaju e desapareceu. Ouvi mamãe dizer, muitos e muitos anos depois, que nunca tinha dado notícias a Caçula. E Zé Domingos, que morava na Praça da Santa Cruz, antes do cinema do padre, numa casa sem platibanda, para onde teria ido?

Nesse rol, ingresso no rol das meninas do meu tempo, pincelando um nome aqui e ali, sem critério que me facilite a busca. Auxiliadora, morena, cara de menina viçosa, e devia ser mesmo na condição de filha única, a mãe, dona Gentil, cuja fisionomia já não guardo na memória, o pai, o tenente Baltazar, militar reformado. Incluo o nome de Nalvinha, filha de Álvaro Eletricista, que, segundo Alba me revela, de quando em quando aparece em Itabaiana, indo a Rua do Sol, onde nasceu, visitar os do seu tempo que por ali ainda moram? E Marli, que era extrovertida, traço que não herdou do pai, professor Pedrinho dentista, de pouca conversa e escassos cumprimentos, e Iara, sua irmã, que, um dia desse, numa fotografia de alunos do Ginásio Estadual de Itabaiana, a reconheci, num bonito e elegante sorriso? E a filha de Abílio barbeiro e de dona Detinha, filha, aliás, única, qual era o seu nome?  Acrescento o nome de Maria de dona Deuzinha, que morava na Rua do Sol, vizinha do sobrado de seu Abílio dos caixões, irmã de vários rapazes, um dos quais de nome Paulo,  todos mais velhos que eu? E Maria dos cabelão, cuja filha, já crescida, andava de calçinha pela calçada, moradoras ambas da Rua da Pedreira, no fundo da casa da gente?

Alguns ganharam a estrada em direção a São Paulo, sem retornar mais a Itabaiana. A família de Bola Sete, por exemplo, que tinha uma irmã, mais nova que eu, cabelos pretos e compridos, o rosto bem alvo, rosto que, muitas vezes, revi em imagens de Nossa Senhora. Eu a achava bonita, sem nunca ter conhecimento sequer de seu nome, acreditando ter trocado bons e inocentes olhares com ela. Outros se tornaram, como eu, habitante do Aracaju, e aqui vivem, na certeza de que se cuidar já de cidade grande, assertiva que faço por não nunca tê-los visto, apesar do longo tempo em que aqui resido.

De tudo, ouvi o coração dizer à memória que ela estava afiada, ao que esta, imediatamente, respondeu que poderia ressuscitar outros nomes … não tivesse a delicadeza de não machucá-lo… Sábia decisão …  7 de novembro de 2019.

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras 
                         

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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