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“A matemática aprendida por Paulo Guedes em Chicago está sendo utilizada a favor dos privilegiados”
No dia 5 de novembro passado, o Presidente Bolsonaro e o Ministro da Economia Paulo Guedes entregaram ao Congresso Nacional três propostas de emendas constitucionais (PECs), sintetizadas num programa intitulado “Brasil Mais”, alterando dezenas e dezenas de artigos do atual texto constitucional.
A principal PEC tem um objetivo específico: Trata da construção de “ Um novo pacto federativo”, enquanto as demais mexem com fundos de investimentos não executados e com a gestão das despesas de pessoal, servidores e carreiras na administração pública.
Um tema atravessa as três propostas é: as mudanças que sugerem visam garantir a “sustentabilidade da dívida pública” e, em função disso, a retomada dos investimentos econômicos, os mesmos argumentos que, em 2016, Temer e Meirelles defenderam quando enviaram ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 241, depois transformada na Emenda Constitucional 95.
Não é necessário ser filiado a partido político de esquerda, ao MST ou a sindicato de trabalhadores para entendermos quais são os mais graves problemas econômicos vividos pelo Brasil hoje. Até mesmo os grandes jornais que se dedicam a esses temas da economia têm publicado artigos e reportagens destacando esses problemas.
Em 10 de setembro passado, o jornal “ O Estado de São Paulo” publicou entrevista de Antônio Correa de Lacerda, futuro Presidente do Conselho Federal de Economia em 2020 e professor titular da PUC-SP, apontando a estagnação da indústria há dez anos pelo menos.
Por coincidência, os mais graves impasses de nossa economia hoje começam com D: Desemprego, desinvestimento, desindustrialização e, sim, ela, dívida pública. Qualquer pessoa, com domínio das quatro operações matemáticas aprendidas na educação fundamental saberá entender e explicar essa situação. Para isso não lhe faltarão fontes oficiais, como os portais do IBGE, da Secretaria do Tesouro Nacional, do Banco Central e do IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
A PEC que propõe o novo Pacto Federativo, além de reduzir recursos para a educação e a saúde públicas, colocando-as num só bolo e nele introduzindo as despesas com aposentados, por meio dos artigos 2º e o 3º, insere dezenas de novos artigos no texto constitucional. Um deles, o artigo 164-A, parágrafo único, estabelece que “ a elaboração e a execução de planos e orçamentos devem refletir a compatibilidade dos indicadores fiscais com a sustentabilidade da dívida.”.
Outro, o segundo, artigo 168-A, estabelece que “se verificado, durante a execução orçamentária, que a realização da receita e da despesa poderá não comportar o cumprimento das metas fiscais estabelecidas na respectiva lei de diretrizes orçamentárias, os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, por atos próprios, promoverão a limitação de empenho e movimentação financeira das suas despesas discricionárias na mesma proporção da limitação aplicada ao conjunto de despesas discricionárias do Poder Executivo.”
Essa norma sugerida simplesmente repete o artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, a partir de quando, há 19 anos, ficamos prisioneiros da dívida pública, sem, contudo, equacioná-la. Os relatórios do Tesouro Nacional vêm apontando que a dívida pública é a maior causa do desequilíbrio fiscal e não consequência disso, alimentada por sucessivos erros de políticas monetária e cambial e pela queda do investimento público-privado, da arrecadação, da massa salarial e do consumo das famílias.
Estranhamente, as PECs enviadas por Guedes e Bolsonaro não mexem na composição da dívida pública e anunciam um novo regime fiscal que em nada altera a atual estrutura tributária, mantendo os privilégios concedidos ao capital desde a era FHC, como a não cobrança de Imposto de Renda na remessa de lucros, sobre juros pagos ao capital próprio, a não taxação constitucional das grandes fortunas ou a perversa regressividade de nosso modelo tributário.
Além disso não avança um passo sequer no combate à gigantesca sonegação fiscal concentrada em reduzido número de pessoas jurídicas. Ao proporem que a dívida pública passe a ser a âncora da administração fiscal, Bolsonaro e Guedes desmontam o Estado brasileiro, tornando-o mínimo para os investimentos sociais, em ciência e tecnologia e na infraestrutura, mas máximo para a acumulação do capital improdutivo remunerado a juros. Em “A Era do Capital Improdutivo” (2017), Ladislau Dowbor, também professor titular da PUC-SP, explica isso muito bem. A matemática aprendida por Paulo Guedes em Chicago está sendo utilizada a favor dos privilegiados.
Em 2018 os gastos federais efetivamente pagos com despesas de pessoal e encargos sociais chegaram a R$ 277,59 bilhões, recursos recebidos e gastos com prestações da casa própria, aluguéis, combustíveis, alimentos, água, energia, telefonia celular, contas residenciais de internet, planos de saúde, medicamentos e impostos, voltando, portanto, para a economia e para os governos municipais, estaduais e federal.
Por outro lado, as despesas pagas com juros e amortizações da dívida pública somaram R$ 615,526 bilhões de reais, que não se distribuem em impostos, compra de mercadorias, investimentos produtivos, pagamento de salários ou outras formas de circulação e retorno à economia (TESOURO,2019). Trata-se, apenas, de concentração de riqueza e esvaziamento do papel indutor do Estado, capturada a sua política fiscal pela âncora da dívida pública.
Dessa forma, o título do Programa entregue por Bolsonaro e Guedes ao Congresso Nacional, para ser honesto e exato, deveria ser “Brasil: Mais pobre e desigual”. Nesse sentido, frente aos gravíssimos impactos que esse programa terá para a maioria da sociedade, é dever democrático dos meios de comunicação, das Universidades, dos intelectuais, dos empresários não-rentistas ainda existentes e dos trabalhadores desenvolverem uma profunda análise desse Programa, construindo caminhos e estratégias para sua rejeição e para a reorientação das políticas monetária e cambial e da política fiscal a favor do investimento, da progressividade tributária, do pleno emprego e do combate às desigualdades nacionais e regionais.
Obs: O autor é professor e Mestre em Educação pela UFPE
Foi Deputado Federal 2003-2014.
Criador e 1º. Coordenador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004)
Na Câmara Federal foi autor da PEC 162, propondo o Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.