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Quando, depois de aposentado como juiz, também como professor me aposentei, fui tomado por uma crise de identidade.

O vazio manifestou-se forte quando tive de preencher a ficha de entrada num hotel em Santa Catarina.

Que profissão vou colocar aqui? Pensei alto.

Se estava aposentado na magistratura e no magistério, nem como juiz, nem como professor poderia me definir.

“Ser ou não ser”, eis a questão.  Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia humana antes de Freud.

Ah, sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel, resolutamente: Professor itinerante.

Não que já fosse um verdadeiro professor itinerante. Estava mal e mal começando a jornada. Entretanto, essa autodefinição marcou no meu espírito uma mudança radical e fixei ali um itinerário de vida pós-aposentadoria.

Fiel a esse projeto, tenho andado por aí a semear ideias. Não importa o valor real dessas ideias. Relevante é que a semeadura seja feita com alegria, espírito reto e boa vontade.

As pessoas idosas não têm o direito de guardar para si a experiência que a vida proporcionou. Na opinião do filósofo inglês Alfred Whitehead, a experiência não é para guardar. É preciso que alguma coisa façamos com ela.

Segundo estudos publicados, os países que melhor tratam os idosos são: Alemanha, Canadá, China, Japão, Noruega, Suécia e Suíça. Nosso país, infelizmente, não integra esse quadro.

A aposentadoria pode não implicar encerramento de atividades, mas apenas redução de compromissos exigentes. São múltiplas as novas experiências possíveis. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa o desatino de desprezar a sabedoria dos mais velhos.

De minha parte, falando aqui e ali, em congressos, seminários e cursos, vou sorvendo a aposentadoria. Compareci com a palavra em todos os Estados da Federação. Sigo o conselho de Guimarães Rosa: “Viver é perigoso. A aventura é obrigatória”.

Se o aposentado sentir-se feliz usufruindo da aposentadoria, simplesmente, essa atitude não merece qualquer reparo. Ele fez jus ao que se chama ócio com dignidade (otium cum dignitate).

O pedagogo tcheco Comenius ensina:

 “No ócio, paramos para pensar, para correr no labirinto do autoconhecimento, para investigar nossa condição de seres humanos. Não se trata de passar o tempo mas de penetrar no tempo, em busca do essencial. Não é tempo perdido, é tempo sagrado e consagrado.”

Usei o verbo no presente do indicativo – Comenius ensina, e não no passado – Comenius ensinou, embora se trate de um escritor morto, porque a sabedoria não morre.

Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante. 
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