Tenho dito aos amigos mais próximos que a luta de Itabaiana para não deixar de ser superada por Paris me parece sem futuro. É que o francês dispõe de mais recursos técnicos, ficando a disputada desequilibrada. Não é o caso nem de David e Golias, nem do exército, de soldados de lança, contra o do inimigo, de metralhadoras e canhões. Mil vezes mais drástica, de modo que, para mim, a disputa não nos traz a menor perspectiva de vitória. Paris que baile sozinha no universo das capitais do mundo. E seja bem feliz, porque merece.

Dou um exemplo, embora minúsculo. Na casa de Firmino do fosco, em Itabaiana do meu tempo de menino, o sanitário era uma habitação isolada no fundo do quintal, um quadrado cercado de paredes pelos quatro lados, com telhado, porta fincada na frente. Dentro, a cisterna, coberta por um piso de madeira. No meio, o buraco, onde o excremento caía. A pessoa se acocorava e ali esvaziava o intestino grosso.

Pois não é que Paris imitou Itabaiana, e mais do que isso, aperfeiçoando?! Foi o que senti, num almoço, em restaurante, cujo nome não gravei. Fui ao sanitário. O susto ao ver apenas o buraco lá embaixo. Parei para examinar melhor. O buraco não se encontrava isolado, como no caso do de Itabaiana. Fazia parte de um conjunto, provavelmente de granito ou de mármore, raso do lado em que o indivíduo dele se aproximasse, lugar para colocar os pés já assentado em moldura, e, do outro lado, subindo pela parede até um metro, o complemento de todo o sanitário. A diferença repousava no fato de só se destinar a parte líquida. A sólida, acredito, não cabe ali, como se, em restaurante, ninguém sentisse vontade de ir além da urina.

Pegaram a privada, a mais primitiva de todas, que não mais existe, deram-lhe um banho fabuloso, transformando-a, e ainda, reduzindo-lhe o campo de atividade. Não há quem diga que é imitação aperfeiçoada da nossa, verdade que dou por aclamada, sem direito a contestação. E a disputa? Bom, aconselho a sair de fininho, como quem não quer nada. Se alguém perguntar alguma coisa, dizer que vai fazer exames de fezes. Ou ver se Maria já voltou da lenha. O fundamental é não perder a pose, porque a elegância  do bom cabrito repousa em não berrar. ( 31 de julho de 2019)

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras 
  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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