(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Os cristãos vivem o tempo litúrgico do Advento, preparando-se para o Natal, quando se celebra o nascimento de Jesus. No entanto, as últimas semanas foram mais parecidas com a Quaresma, quando se prepara a festa da Páscoa, que celebra a morte e a ressurreição de Jesus. Três grandes teólogos fizeram sua Páscoa e deixaram este mundo. Vivos na história, passaram a ser vivos em Deus. São eles o jesuíta argentino Juan Carlos Scannone, o sacerdote diocesano alemão Johann Baptist Metz e o jesuíta espanhol maiorquino Bartolomè Melià.
Juan Carlos Scannone faleceu no último dia 27 de novembro, em Buenos Aires, onde residia, em consequência de um AVC. Em seus 88 anos de vida, notabilizou-se como filósofo e teólogo, sendo um dos fundadores da Teologia latino-americana da Libertação, em sua vertente cultural chamada Teologia do Povo. Essa teologia estudava as manifestações celebrativas e religiosas das comunidades populares, refletindo sobre a teologia nelas contida.
Scannone foi professor de gerações de sacerdotes, religiosos e leigos, tendo entre seus discípulos um muito ilustre: Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco em pessoa. Em filosofia, era um grande especialista no pensamento de Maurice Blondel, filósofo católico francês que criou a corrente da Filosofia da Ação.
Johann Baptist Metz viu sua vocação nascer em meio ao inferno do Holocausto. Aos 16 anos, já no final da Segunda Guerra Mundial, foi desempenhar uma missão perto de sua cidade. Ao voltar, encontrou mortos todos os seus companheiros, atingidos por um ataque de bombardeiros e tanques. Olhando aqueles rostos apagados pela morte e lembrando-se de que alguns dias antes ria e brincava com eles, sentiu subir de seu coração um grito silencioso. A experiência de Deus vivida, ele a sintetiza nesse grito que sente como o grito de Jesus na Cruz, que é o clamor das vítimas inocentes, que sofrem e se sentem abandonados por Deus. Jesus é esse inocente que sofre e sente o abandono de Deus, sem nunca haver abandonado a Deus.
A partir daí o jovem Metz procurou o seminário e seguiu a vocação sacerdotal. A teologia que como brilhante aluno do grande teólogo Karl Rahner desenvolveu depois disso foi chamada de teologia política, pois encontrava seu ponto de partida na compaixão diante do sofrimento humano e na memória subversiva das vítimas que clamam por justiça.
Professor de gerações de teólogos, Metz é considerado o pai da Teologia da Libertação que se desenvolveu a partir dos anos 1960 na América Latina e encontrava seu ponto de partida na opção pelos pobres. Essa teologia tinha como fundamento a compaixão amorosa sobre a qual Metz tanto refletiu e escreveu e atribuía autoridade maior àqueles que sofrem como vítimas da injustiça e da opressão. Metz faleceu em Muenster, onde residia, aos 91 anos de idade.
Bartolomè Melià faleceu no último dia 6 de dezembro. Ainda jovem sacerdote veio viver no Paraguai, onde fez estudos aprofundados da língua e da cultura guarani. Obteve um doutorado na Universidade de Estrasburgo com uma tese sobre a criação de uma linguagem cristã nas missões dos guaranis no Paraguai. Foi professor de etnologia e cultura guarani na Universidade Católica de Assunção e presidente do Centro de Estudos Antropológicos da mesma universidade. Lutou pela preservação da cultura guarani e denunciou o massacre que sofriam etnias indígenas no Paraguai com a ditadura de Stroessner, o que o obrigou a deixar o país. Residiu então no Brasil nos anos 1970. Aqui prosseguiu seu trabalho de pesquisador, estando igualmente presente como indigenista entre tribos do Mato Grosso do Sul.
O Pe. Melià foi um incansável lutador em favor das culturas indígenas. Não se contentou em aprender suas línguas; viveu uma profunda inserção em algumas das culturas e etnias, chegando mesmo a participar de seus rituais religiosos. Ao voltar ao Paraguai, após o fim da ditadura, continuou trabalhando até morrer com as culturas indígenas e com os guaranis.
Três grandes homens que engrandecem igualmente a Igreja à qual pertenceram, os ideais pelos quais lutaram, o projeto do Reino de Deus pelo qual deram integralmente suas vidas. Sua Páscoa não lança sombras sobre nossa celebração de Natal, mas ao contrário, a faz ainda mais luminosa. São testemunhas que inspiram e confirmam nossa fé e nossa esperança.
Obs: Maria Clara Bingemer é autora de “O mistério e o mundo” (Editora Rocco), entre outros livros.
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