(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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As centenas de feiras literárias organizadas todos os anos nas capitais, nas cidades do interior, no sertão, no semiárido e nas periferias nos dão uma boa oportunidade para prestar homenagem a esse grande, fiel e inseparável amigo, feito de papel, cola, grampo, linhas e letras que é o livro. Essa moldura recheada de conteúdos os mais diversos: paixão, aventura, amor, dor, suspense e, sobretudo, a mais elevada forma de atividade do espírito humano: a atividade literária, a criação do texto, a inspiração poética.
Lamentavelmente vamos ficando poucos os que ainda nos aproximamos do livro com paixão ansiosa. Trata-se de uma verdadeira aventura amorosa abrir um novo livro, virar suas páginas, tocar seu papel e sentir-lhe a consistência, cheirá-lo e finalmente mergulhar em seu conteúdo, absorvendo ávida e deliciosamente as palavras mágicas que nos fazem viajar, sofrer, chorar, rir, amar, refletir, rezar…
As novas tecnologias entraram com força em nossas vidas, atraindo-nos e conquistando-nos por inteiro com sua rapidez, eficiência e imediatez. O clique de um botão envia pela internet a antes carta perfumada e laboriosamente escrita, que passava pelas etapas do selo, do correio, do carteiro. O telefone celular agora não se limita a receber e enviar chamadas telefônicas, mas envia e recebe mensagens eletrônicas, toca música, apresenta os mais variados jogos. A rede faz chegar do outro lado do mundo livros inteiros em questão de minutos e mesmo segundos. E disponibiliza bibliotecas, periódicos e artigos onde se pode, sem sair da frente da tela do computador, fazer o que antes se fazia das páginas impressas do livro.
Há ainda a televisão, que a cada dia apresenta capítulos de novela e sessões de “reality shows”. Breve será interativa e poderemos “conversar” com ela e através dela, tal como já fazemos através da internet no computador.
E, no entanto…será que se trata da mesma coisa? Será idêntica a experiência que temos e vivemos diante de um computador ou de uma televisão e aquela que desafia todas as nossas energias e faculdades mentais diante das páginas de um livro novo, recém aberto, ou de um livro antigo e tão amado que se tornou amigo de infância e que não cansamos de revisitar e reler?
Não há dúvida que as novas tecnologias revolucionaram para melhor nossas vidas e nos trouxeram contribuições inestimáveis em termos de possibilidades de aceder mais veloz e diligentemente a toda e qualquer informação que desejamos. Porém, é inegável que essas mesmas tecnologias podem criar em nós uma espécie de dependência, de vício, que funciona como uma droga que nos impede de estar abertos e disponíveis a outras coisas. É assim que as novas gerações podem passar horas brincando em um computador, em salas de “chat” na internet em conversas que muitas vezes não são tão produtivas. Ou não perder um capítulo de novelas e “reality shows” que vão encurtando e atrofiando cada vez mais sua potencialidade criativa, não estimulada por contribuições sempre menores e menos significativas.
Enquanto a leitura do livro nos desafia, nos exige e nos ajuda a fazer novas interpretações e sínteses que vão nos permitir viver as situações vitais com maior preparação e um quadro de referências mais ricas, muitas das novas tecnologias, sobretudo se utilizadas com excesso e falta de discernimento, podem instaurar uma comunicação veloz, sim, mas sem muita consistência. A prova disso é o tamanho dos poucos textos que acompanham a louca dança das imagens na internet: são cada vez mais curtos, escritos em estilo menos elaborado, cheios de erros de português ou eivados de uma gíria própria que exclui as gerações nela não iniciadas.
A leitura exige tempo, calma e investimento. Ler um grande texto, uma bela poesia, um denso ensaio pede atenção, concentração, reflexão. Parece ser coisa que não se está mais disposto a exercitar nos tempos que correm. Rezar diante de uma passagem bíblica, de um salmo, ou de um poema religioso pede que toda a pessoa – corpo e espírito – esteja voltada para as letras que na escritura desenham paciente e paulatinamente o rosto do divino buscado ansiosa e amorosamente.
As feiras literárias conseguem trazer-nos de volta um pouco da velha paixão e respeito que merecem esses tão fiéis e adoráveis amigos que são os livros. Quem sabe, também e não menos, conseguem nos devolver algo do sentimento tão profundamente humano que vê e sente a leitura como um ato que tem algo de profundo e de sagrado?
Obs: Maria Clara Bingemer é autora de “Simone Weil – Testemunha da paixão e da compaixão” (Edusc), entre outros livros
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