“Eis que trago para vocês uma boa notícia, que será uma grande alegria para todo o povo”

Uma experiência de Deus em toda a criação, o natal nos traz dois símbolos: o da árvore é mais primitivo, e o do presépio que aqui preferimos chamar de lapa, lugar do abrigo, donde vem o nome lapinha.

A árvore de natal tem um significado místico para os cristãos, as árvores desde as mais primitivas culturas humanas têm um significado muito denso e paradoxal, elas simbolizam tanto a vida como o conhecimento. Vida porque é fonte de alimentação, abrigo e proteção, marco referencial de habitação, onde as mais variadas espécies nelas vêm morar, nós mesmos já moramos nas árvores. É o símbolo da sombra do altíssimo, frescor da brisa que vem refrescar sob a canícula do sol a nossa vida.

Um outro sentido da árvore é o da árvore como fonte do conhecimento, lugar em que temos acesso a origem das coisas, são representadas nos tótens das culturas primitivas, ainda presentes entre nós, nas civilizações indígenas, entre os povos africanos e aborígenes na Austrália. Os nossos povos aqui no nordeste de tradição indígena e africana cultivam o culto à jurema, árvore sagrada, onde os espíritos ancestrais nos acompanham, sendo portadores de conhecimentos de cura.

Arvorar, ser identidade da plenitude de si mesma, sendo em seu existir o que somos, em nosso ser-sendo no mundo. A mitologia judaico-cristã, em seu primeiro livro do gênese, apresenta duas árvores, como expressão simbólica da vida. Um é a árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 3, 1ss), outra é a arvore da vida, símbolo da imortalidade eterna do nosso ser no mundo (Gn 3,22ss).

Pela árvore da ciência do bem e do mal, nós apresentamos a perda de nossa identidade, gestada na pertença a Deus. A árvore da ciência é símbolo da arrogância humana, e toda arrogância nos leva a perda de identidade, pois nos enche da vontade de querer ser o que não se é, ou de quem não sou, buscando ser um outro que não sou “eu” mesmo. No mito adâmico esse ser quem “eu” não sou se manifesta na híbris, a vontade de querer ser Deus, deixando de ser a imagem do seu Amor, tomando o seu lugar, ou sendo Ele mesmo.

 O pior de todos os males que pode acontecer a um ser humano, é ele não ser ele mesmo, não ser a si próprio, assumindo uma identidade que não é sua, deixando de ser quem ele é. O mal existencial humano é a perda de sua autenticidade vivendo na inautenticidade de ser quem ele não é. Então a serpente diz: – É verdade que Deus proibiu vocês de comerem de todos os frutos? Vejam a formulação em que se é posto o interdito. Todos os frutos. Se aumenta a proibição para causar mais fascinação de desejo. É astuta essa formulação. Porque o centro da proibição não se encontra na proibição, mas na ausência de saber perceber a si mesmo diante das coisas, para que o outro perca a compreensão, e, perdendo a compreensão, se perde a identidade, perde-se a si próprio. E os que perdem sua identidade perdem na sua autonomia, sendo privados da liberdade. E sem a liberdade não existe a pertença de si mesmo no estar voltado para Deus. Pois, a minha identidade, é o desvelar de Deus em meu existir. E quanto mais sou “eu” mesmo, mas Deus é em mim. E a liberdade se torna presente dadivoso da pertença a Deus, pela qual entro em diálogo com o mistério em sua totalidade.

A árvore do conhecimento representa a maquiagem da minha personalidade, que se faz no querer ser quem não sou em mim. Que significa, não aceitar ser quem somos em nosso existir? O pior mal que pode acontecer a um ser humano é não ser quem ele é. É perder sua identidade vivendo na inautenticidade da existência, onde não somos mais seres na liberdade. Com a desobediência não perdemos a liberdade, ela ficou maquiada, por um “eu” inautêntico, e consequentemente nos distanciamos da liberdade, que desvela o nosso autentico “eu”. O aumento do interdito feito pela serpente, nos mostra a confusão que fazemos com a perda da liberdade, já não sabemos mais discernir, sabemos escolher, mas ter um discernimento das nossas escolhas, nós perdemos. Porque olhamos o volume da quantidade, e não mais nos vemos na possibilidade.

Na realidade Deus havia proibido comer do fruto de uma só árvore, a do conhecimento. A pergunta que não se cala é:  porque Deus não quer que tenhamos o conhecimento? Claro que sim, Deus nos criou para o conhecimento. A questão vigente na narrativa é que o conhecimento não pode ser tomado como arrogância, no deixar de ser si mesmo, e buscar querer ser Deus, negando-se a si mesmo. O conhecimento não pode ser uma apreensão da razão humana aos modos da razão moderna instrumental, ele tem que ser partejado na ilustração da identidade de quem sou “eu”.

 Ser é nossa questão mais profunda, é quem somos, que não se toma por uma apreensão de uma identidade, que maquia a autêntica identidade numa vida inautêntica que vem com a anulação de sua pertença ao criador.

Identidade é uma perscrutar da voz interior, pois é pela voz de Deus que saberei quem sou, pela voz é que Ele nos criou, e só na voz de Deus é desvelado o seu mistério de quem sou. Só em Deus é que somos conhecidos, não por nossa própria conta, mas pelo desvelar de Deus de quem sou.

Por nós mesmo nosso conhecimento nos leva a distância de nós, nos perdemos da nossa identidade assumindo uma identidade inautêntica de quem não sou. Esse é o mal do conhecimento, criar uma identidade que não reflete a imagem de Deus a qual sou. A árvore do conhecimento do bem e do mal, cria simulacro, uma ilusão de quem não sou; desejante de necessidade, como prazeres, riquezas, poderes, um mundo que não elucida quem sou. O conhecimento sem a compreensão de si mesmo, nos leva a perda da nossa consciência de quem somos. Pois, a consciência é ciência que é desvelada no mistério de todas as coisas em sua totalidade que é Deus.

Por outro lado, o texto sagrado nos mostra a árvore da vida. É a árvore da vida eterna! E nos eternizamos sendo voltados para Deus, pois, somos sua pertença de amor, Nele a nossa identidade é realçada, somos desvelados no verdadeiro “eu” que somos. Pertença do seu amor!

A árvore da vida nos desvela a metáfora da eternidade, como consciência de quem sou, um ser para a eternidade, que tem desejo do eterno, que em nossa temporalidade trazemos o amor de Deus, vivido na partilha do amor. A perda da identidade nos tira da partilha, nos faz ser egóico ensimesmados no ego que não é si mesmo, mas, que vive uma pseudo-identidade afastado de quem realmente sou, um ser de interação com os outros, o mal adâmico foi exatamente esse de fechar-se ao outro, que desvela sua outridade como identidade do seu ser. Quando Adão põe a culpa em  Deus e em sua mulher: a mulher que Tu me deste me deu de comer… (Gn 2, 12). Sem o todo em sua totalidade, não podemos contemplar o ser de amor, nós só contemplamos a Deus quando somos por Ele contemplado.

Na partilha, o eterno vive em nós, esse é o nosso verdadeiro “eu”, dividição de amor. Onde a voz de Deus nos chama, para ser eternidade na pertença, de uma identidade autêntica na pertença de quem sou. Mas não existe pertencimento sem o aceno do outro, que desperta a outridade de quem sou. Por isso o texto sagrado nos diz: que os querubins fecham o acesso a árvore da vida. Porque nossa identidade autentica só pode ser desvelada por Deus, esse é o problema do conhecimento, ele sendo adquirido sem a presença de Deus nos inflige mal, pois, nos distância da identidade de quem realmente somos, imagem e semelhança de Deus. É em Deus que nossa identidade é realçada e manifestada, fora dele caímos no mal, e o mal é não ser nós mesmo, sendo o que não somos em nosso existir, perdemos a nossa autonomia como discernimento das nossas escolhas.

Os querubins protegem o acesso a árvore da vida. Nosso DNA só é revelado por Deus, Ele que tem a voz na qual fomos feitos e Ele é o mapa por onde vou no desvelar do meu autêntico “eu”. Essa voz se encontra na centralidade de quem sou, é desvelada na epifania do verbo da criação.

Jesus é a árvore da vida, esse é o símbolo-significado da árvore de natal. Jesus é a árvore da vida, a árvore de natal representa a eternidade, que nos é dada por Deus. Só Deus pode nos dar a vida eterna, porque é diante do Eterno que somos revelados como somos, e a nossa identidade é precisamente o que é. E ela é exatamente o que Deus quis que sejamos, para a sua eterna glorificação. Sou em meu ser a sua arte! Um barro modelado, que depois da modelagem é um barro enamorado do criador. Sou prodígio do seu grande amar.

A vida que é vida em Deus, não é uma apropriação da consciência egóica, mas uma vivência desvelante da densidade que somos, por isso só em Deus nossa identidade de manifesta como somos, na realidade profunda de ser. Deus é o revelar da minha própria existência.

A minha santidade, se encontra no ser quem sou, pela vontade de Deus, vivendo a diferença de ser na diversidade, porque Deus não faz dois iguais, faz diferentes cada um dos seres existentes, e só Ele saber como cada um é em sua genética existencial e biológica.

Viver o natal é sentir o Eterno desvelando a eternidade em cada criatura, é contemplara a árvore de natal, sendo contemplado pelo criador, ela é a árvore da vida. Vida nova,  liberta da maquiagem de quem não sou, sendo desvelado na partilha do amor. A árvore da vida é a arvore da partilha, de vida eterna, que só é dada por Deus, não são nossos esforços inteligíveis que nos possibilitam o conhecimento. Mas, o conhecimento que nos é possibilitado por Deus, apenas por um motivo singelo, só Deus nos conhece, e nele é que seremos conhecedores como somos conhecidos.

É natal, tempo de arvorar! Nos unindo a Deus, que presente se faz na lapa, lugar onde somos abrigados no seio de Deus. Mas, o que acontece na lapa? Somos chamados ao realce de nossa identidade, em Belém, a casa do pão, o amor se faz presente no nascedouro do amado, em cada coração.

Esse nascimento tem dois eixos de interpretação; somos interpelados por Deus, para nos ver em nossa identidade, e ao mesmo tempo somos chamados para ser contemplados no início da nova criação. Quem são os presentes lá na lapa? Pastores, eles conhecem as suas ovelhas e as chamam pelo nome e elas conhecem a sua voz; assim nos diz o Senhor: “Eu conheço as minhas ovelhas e elas conhecem a minha voz”, (Jo 10,1ss). Em Belém há um reconhecimento, Deus nos chama pelo nome, para que possamos nele nos desvelar como somos, em seu Ser, pois somos a sua imagem, na lapa se encontra desvelado o amor de Deus por nós, e sua acolhida nos desvela como somos.

E como somos?  Em Deus somos dignidade humana e essa é a nossa mais profunda identidade. Identidade é dignidade; identidade não é apenas um nome. Uma personalidade, uma caraterística de um isso ou aquilo, identidade não é uma coisa, mas, uma constituição de ser, que chamamos de dignidade humana, que imprime caráter uma questão de ser.

Jesus na lapinha nos apresenta o caráter da identidade humana, temos estatura divina, somos a imagem de Deus, diante da nossa humanidade, Jesus desvela a nossa identidade humana, e ser humano é desvelar a humanidade na partilha de amor de uns para com os outros onde, libertos do ensimesmamento do “eu”, somos capazes de mostrar a nossa outridade. A narrativa de Lucas nos mostra que o nascimento de Jesus configura  em ser uma apresentação da identidade. É um nascimento que acontece num rescensiamento, que identifica quem são e como são as pessoas.

Claro que o evangelista Lucas quer apresentar a identidade de Jesus, que Ele é Deus desde o seu nascimento. No entanto, ao mostrar a identidade de Jesus em sua dignidade divina, o evangelista nos apresenta a divindade no rosto humano de ser. Deus é humano, e como humano desvela a nossa identidade, somos pertença de Deus em nossa humanidade, Lucas mostra que nossa identidade e divina.

O bonito no texto de Lucas é a apresentação dos anjos aos pastores; “a glória do Senhor os envolveu em luz, e eles ficaram com muito medo” (Lc 2, 8ss), e o anjo diz, não tenham medo! Porque o medo diante da glória? A glória é a presença do Eterno, e lá diante da árvore da vida, fomos proibidos de tocar naquela árvore. A eternidade pertence a Deus, os pastores, em Lucas representam o realce de nossa identidade diante do Eterno, que nos chama à sua gloria, pois, participando Dele, e é Ele o desvelador do nosso ser no seu amor.

Natal, arvorar! Tempo de nos voltar para nossa identidade autêntica, nossa deidade. O natal nos apresenta a nossa divindade humana em Jesus, ele mostra que nossa identidade é divina, por isso ser humano é desvelar o divino, e quanto mais humanos somos em Deus, mas, manifesta-se a nossa divindade na pertença à Deus.

Poema de natal

Uma árvore se assemelha a Deus,
Simplesmente uma árvore é,
Ela é apenas o que Deus entendeu o que era melhor para ela.
Uma árvore reflete o amor de Deus em cada criatura viva,
Fazendo-a ser em-Deus e não distante de Deus,
Assim uma árvore sendo o que ela é,
Dalgum modo ela apresenta Deus entre nós e nós em-Deus.
Desse modo, quanto mais uma árvore é ela mesma,
Tanto, mas ela se assemelha a Deus.
O quanto mais ela procura ser outra coisa, que não seja, ser uma árvore, ela vai parecer menos com Deus.
Ser árvore,
Arvorar, plantar uma árvore e deixar ela ser árvore,
Árvore da vida, uma eternidade para ser árvore,
Arvorar, um crescimento no silêncio da escuta de ser em-Deus.
Toda a criação é pronúncia de Deus,
É um chamado,
Escuta de uma voz,
É o verbo da criação,
Em seu chamado por nós.
A que nos chama?
Participar da sua glória.
Ser, arvorar plantar uma árvore,
Uma conformidade de pensamento sem ser o mesmo pensamento,
Arvorar, um outro pensar no pensar,
Sua realidade, encontrá-Lo,
Por toda a parte e em nenhuma parte,
Sendo a parte de mim próprio,
E não me encontrarei em qualquer parte,
Estarei partido n’Ele, minha parte de nenhuma parte,
Uma voz que me chama,
E que me pronuncia,
Ele diz quem sou em seu mistério de amor.
Arvorar, esvaziamento de qualquer pensamento,
E de todo o desejo,
Um ser isolado dentro de si mesmo,
Um encontro imaginário da vida que jorra de Deus,
Sou a identidade de seu amor,
Mas, só sou sendo encontrado no humano que me criou.
Deus me descobre, mostrando quem sou,
Sou pronúncia do seu amor,
E meu nome se encontra centrado na vida interior,
Aqui sou arvorar no amor.
Natal, arborizar, arvorar, plantar,
Deus faz a descoberta, Ele mostra quem somos nós,
Não podemos subir ao céu para procurar Deus,
Porque não temos meio de subir ao céu,
Onde está o céu? E o que ele é?
Então Deus desce do céu, e é Quem nos encontra,
De lá das profundezas da Sua infinita realidade,
Que está em toda a parte,
Que Ele vem nos habitar,
É natal, O descobrimos entre nós,
Só o conhecemos na medida que Ele nos conhece,
E só O contemplamos a partir de sua contemplação,
D’Ele-próprio por cada um de nós,
Sou sua contemplação de amor,
E Ele viu que tudo era bom.
É Natal!
Vamos arvorar,
Deus se conhece em cada criatura viva,
E a todas chama pelo nome,
Nos desvelando em nosso ser, Seu ser de Amor.
Que mais querer ser,
Se sou filho e filha de Deus.

É natal vamos plantar uma árvore

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Maurício Soares
Arvorado pelo Eterno,
Sendo o que sou,
Contemplado pelo Pai criador.

Obs: Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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