Paula Barros 1 de novembro de 2019

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Adorava bonecas. Gostava de uma que se chamava Andinha, e ela andava. E outra que se chamava Dancinha, e ela rodava. Eu colocava manteiga no pés dela para ver se dançava mais rápido. Ela caia. Mas eu a levantava, e colocava para girar. (Tiver que fazer isto na vida).Eu sabia escolher as bonecas pela minha personalidade, talvez. Gostava de boneca bebê, e sonhava ser mãe. E adoro ser mãe. Pensei vendo esta charge. Também brinquei de carro de bombeiro. De soldado. De bola de gude. Levei tiro (de bala de plástico) do meu irmão mais velho, e dói e chorava. Corri na rua, ralei as pernas. Ouvi do meu pai que era feio mulheres com as pernas marcadas. Mas brincar era mais forte em mim, que estar preocupada com as pernas feridas. No colégio de padres, eu e algumas colegas, fomos pedir para jogar futebol. Futebol feminino não era praticado no colégio. Queria aprender a dirigir, significava que teria liberdade, e ainda acho que é libertador. E aprendi. Briguei pelo direito de dirigir o carro do meu pai, fazendo escala com meu irmão. Ali já exigia meus direitos. Levei namorado para dormir em casa. Se meu irmão podia levar namorada, eu tb podia. Engravidei antes de casar, e de forma planejada. Ter filho(a), era mais importante que casar. Sempre quis trabalhar. Com 18 anos fui nos prédios do bairro me candidatando a babá. Ter um emprego era um objetivo. Símbolo de liberdade. Meus pais não gostaram da atitude inusitada e “louca”. Então disse ao meu pai, arrume um emprego ou vou “rodar bolsinha” para ter meu dinheiro. Choquei. (Nunca diga isso a seus pais, deve ser muito doloroso de ouvir).Ele arrumou um estágio, com menores infratores, num subúrbio distante, e para ir de ônibus. Nada de papai e mamãe levar. O que podia ser desafio ou vingança por parte dele, era meu triunfo. Minha mãe trabalhava fora, dirigia, cuidava de casa. Exemplo de mulher. Meu pai trabalhava fora, mesmo quando tinha empregada lavava as cuecas. Ajudava nos serviços domésticos. Respeitava minha mãe. Ele dava aulas diárias de cidadania, de igualdade, quando não, sei lá…..minha mãe, eu , acho que demos alguns enquadres. Cresci. Sou mulher. Braba. Não aprendi a ser dócil, meiga, boba. Houve a época das cantadas, na rua, no trabalho, nas festas….me especializei em dar foras. Passou a ser tão natural, que vivia na defensiva, me divertia em dar foras. Dois relacionamentos mais duradouros, hoje sorrio das loucuras que dizia e fiz. Exemplos: se tem um louco na relação, a louca sou eu. Se tem alguém que vai falar alto aqui, este alguém sou eu, então fale baixo. Se tem alguém que vai apanhar, este alguém é vc, então não ouse gritar comigo ou me bater. Se bater, bata e corra. Se dormir comigo não vai acordar. Não se falava em feminicídio. Ouvia falar das mulheres que apanhavam. E já criança pensava, eu não vou apanhar de homem e continuar com ele. Graças a Deus que os dois tinham juízo. Ou, eram medrosos. Kkk Não vou dizer que ser mulher é fácil. Mas eu fui mulher, sendo. Aprendendo a dizer sim e não. Colocando limites. Mas para isto é preciso saber o que se quer, o que se tolera, é saber ouvir e falar, é saber cair fora, é saber ficar…..

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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