Esta história é o resumo de um famoso teatro da Idade Média,
Acostume-se com isto: Para a Morte, você é QUALQUER UM.
Havia um Senhor que gostava de sombra e água fresca.
Pensava que a vida era farra sem fim.
Um dia estava indo para uma festa
e nisto foi abordado por um estranho personagem:
Era magro e pálido, e um lençol cobria os ossos secos.
Era a Morte em pessoa, barrando o seu caminho,
e ela o perguntava: Para onde vais tão depressa?
O Senhor QUALQUER UM respondeu:
Vou para uma festa, e ninguém me empata!
A festa não vai acontecer, disse a Morte,
pois eu te convido para outra viagem!
O homem sentiu que não podia resistir e perguntou:
Quando estaremos de volta?
Esta viagem não tem volta, disse a Morte.
O Senhor QUALQUER UM apavorou-se e perguntou:
Sozinho não vou contigo. Posso chamar alguém para ir comigo?
Você pode tentar, respondeu a Morte.
O Homem chamou sua esposa, dizendo:
Vem comigo nesta travessia, pois Tu me juraste fidelidade.
Mas ela respondeu: Jurei, mas somente até a morte!
O Senhor QUALQUER UM se valeu dos amigos fieis de festa e farra,
mas eles se aborreceram, dizendo:
Não estrague nossa bebida com gosto de morte.
O homem chamou então a RIQUEZA, pois ele possuía muitos bens.
A Morte, porém, respondeu: Não chames a Riqueza,
pois ela não tem crédito na terra onde vamos.
O homem aflito chamou em seguida a Sabedoria, mas a Morte disse que não:
A Sabedoria deste mundo não sabe de nada na terra de nosso destino.
Finalmente, o Senhor QUALQUER UM chamou o Poder,
pois tinha títulos de autoridade.
Porém, a Morte preveniu: Todo poder deste mundo acaba na terra aonde vamos.
Vendo-se tão desamparado, o homem perguntou aflito:
Então não tem ninguém que possa ir comigo?
Disse a Morte: Somente as Virtudes podem te acompanhar!
Reanimado, o Senhor QUALQUER UM chamou pela FÉ,
para que viesse em seu auxílio.
mas esta se apresentou bem fraca, dizendo:
Eu não resisto a viagem, pois tu nunca me nutriste!
Chamou em seguida pela Esperança,
e esta chegou cambaleando: Não posso ir contigo,
pois tu puseste a esperança sempre em outras coisas.
Por último chamou pela Caridade, e esta veio, dizendo:
Como podes me ocupar agora, se nunca fizeste caridade?
Não tendo mais nenhum apelo, o homem começou a chorar
e pelo véu do pranto enxergou um personagem que lhe falou:
Eu sou o Arrependimento!
Vou te lavar no banho da contrição.
O Senhor QUALQUER UM chorou amargamente,
vendo-se tão desprevenido.
Nesta hora a Morte avisou: Já esperei muito. Vamos embora!
O Arrependimento ajudou o homem a ficar de pé.
Levanta-te. Eu vou contigo!
Assim começaram a viagem até chegar a um portão pequeno.
O portão se abriu e se fechou de novo.
E o que aconteceu do outro lado do portão, ninguém pode contar.
Obs: Teatro medieval
que existe em muitas as linguas,
ainda hoje é apresentado em Salzburg, Austria
Tudo é vaidade, dizem os Provérbios.
Vaidade é aquilo que se vai,
em contraste com o que não se vai.
A prova de fogo é a morte.
Poder, posse e prestígio: tudo se vai.
Tudo é bastão enfeitado que quebra.
A vida se divide
no trecho antes do portão que conhecemos
e no trajeto depois do portão que ignoramos.
Na divisória nos é mostrado
o que vale e o que não vale.
Depois que as aparências se desfazem
aparece no choro o vazio total.
Esta indigência é a criança
que sobreviveu a todas as ilusões.
O choro é o banho carinhoso
com que se lava o recém-nascido.
Obs: Traduzido e comentado por frei Adolfo Temme
A sugestão é transformar a narrativa em teatro.
Teresina, dia de Finados
O autor é Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrópolis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.
Imagens enviadas pelo autor.