Fosse para fazer graça, diria que podemos nos orgulhar do asfalto de nossas ruas e avenidas. Mas, como se trata de coisa séria, digo apenas que o asfalto é aquela camada preta, de material que sei apontar, que, nós ainda não aprendemos a operar. Em outras palavras, de asfalto, a gente não entende de nada, vezes nada, igual a nada. E no entanto, o asfalto está encravado nas ruas, mostrando na heterogeneidade de sua aplicação que o técnico é, nada mais, nada menos, de amante da geografia, porque no nosso se sobressaem montanhas, serras, lagoas, planaltos, e até túneis, que, aqui e ali, evidenciam que, quem o joga nas ruas, de asfalto, não entende patativa  de nada. Não é só de geografia. Gosta, também, de costurar, de modo que há muito bordado no asfalto, ou, dizendo melhor, há muito remendo que se conserta, levando, inexoravelmente, a ideia do asfalto ter um pouco da alma de um(a) costureiro(a)a.

A impressão é fruto de observação que faço, e se consolida, enquanto dirijo nas ruas do Aracaju, bafejada, também, pela paisagem que vejo de manhã cedo, quando o asfalto, durante a madrugada, recebe um bom banho de chuva. O que se observa, então, das ruas, é a presença de pequenas lagoas, que ali ganham formas, a fazer das reentrâncias o lugar ideal para o mergulho de animais de minúsculos portes. Claro que o sol, depois, bebe toda a água, o que até pode levar alguém a considerar injusto o aqui se expõe, porque quando não chove, ora, quando não chove não há lagoa no asfalto. E, ademais, nem todo dia chove, o que significa que o problema é transitório, não tendo essa importância que procuro conferir.

O asfalto deve ser algo bem difícil de ser feito, porque, até agora, com pequenas e honrosas exceções, o que derramam nas ruas é essencialmente mal feito. Ou será que as ruas não são planas o suficiente para receber o asfalto? Talvez a culpa seja das ruas, e aí pode se invocar o departamento, que arruma as ruas, para ouvir uma manifestação, enquanto o departamento, que cuida do asfalto, respira aliviado. Talvez tenhamos de instalar uma comissão parlamentar para apurar os motivos que podem explicar não termos ainda, na sua imensa maioria, impregnado as nossas ruas com o asfalto de modo a não deixar buracos, nem serras, nem túneis. E, também nomear uma comissão, constituída de notáveis, para opinar sobre a problemática.

Caso seja ouvido, vou enfatizar a presença de um buraco, na Av. Beira-Mar, perto do sinal que a separa da Av. Anísio Azevedo, um buraco de vários anos, que morre e ressuscita, o que me lembra o dente careado que é objeto de tratamento bisonho e a carie retorna sempre, como se não quisesse morrer, e estou a defender que esse buraco seja preservado como buraco heroico, pela teimosia de retornar à lide, merecendo até uma placa, por mais modesta que seja.

Mas, para os que pensam que sou inimigo do asfalto, – o meu veículo é que é -, uma informação: de manhã cedo, ao me acordar, depois de uma noite com chuva na madrugada, acho lindo o asfalto molhado, a brilhar, como se lhe tivessem passado graxa preta de sapato, e, ao seu lado, pequenas e buliçosas, as lagoas aqui e ali, dando um aspecto a Av. Beira-Mar que fotografo nenhum já captou. Falta só uma rã em cada uma delas reclamar o direito constitucional da moradia (16 de março de 2019).

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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