(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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O Brasil recebeu da Igreja liderada pelo Papa Francisco um presente notável. Foi canonizada a primeira santa brasileira, Irmã Dulce, o anjo bom da Bahia.

Maria Rita Lopes Pontes – que após entrar na vida religiosa, passou a se chamar Irmã Dulce – é uma baiana que se distinguiu pelo amor caritativo e gratuito pelos pobres e desvalidos de todo tipo.  Essa paixão pelos menores e necessitados data da sua juventude e se encontra na raiz de sua consagração religiosa. Desde os treze anos de idade, depois de visitar áreas carentes, acompanhada por uma tia, ela começou a manifestar o desejo de se dedicar à vida religiosa. Começou a ajudar mendigos, enfermos e desvalidos.

Com o consentimento da família e o apoio de sua irmã, Dulcinha, a menina foi transformando a casa da família, na rua da Independência, 61, bairro de Nazaré, num centro de atendimento a pessoas necessitadas. A casa ficou conhecida como “a portaria de São Francisco”, tal o número de carentes que se aglomeravam à sua porta.

Assim prosseguiu a jovem Dulce após sua entrada no convento.  Fundou diversas obras de caridade dedicadas à assistência aos mais pobres: escolas, hospitais, albergues.  Em situações onde não encontrava lugar para abrigar seus assistidos, chegou a invadir casas para protegê-los e dar-lhes o atendimento necessário. Construiu e manteve uma das mais respeitadas instituições filantrópicas do país:  as Obras Sociais Irmã Dulce.

A proclamação oficial da santidade desta baiana é forte e simbólica em muitos aspectos.

Em primeiro lugar, Irmã Dulce é a encarnação de tudo que a Igreja da América Latina vem vivendo e propondo há mais de 50 anos. Em 1968, os bispos reunidos em Medellín voltaram o olhar da comunidade eclesial preferencialmente para os pobres e oprimidos, propondo então o que se chamou opção preferencial pelos pobres.  Tratava-se de uma virada radical, que levava a Igreja para as margens da sociedade e privilegiava o trabalho evangélico unido indissoluvelmente à transformação social.  Fé e justiça passaram a ser um binômio inseparável, como o foram desde sempre na tradição bíblica judaico-cristã.

Irmã Dulce dedicou sua vida aos pobres.  Voltou toda a sua vocação e vida religiosa para aqueles que não tinham direitos, que eram fracos e vulneráveis.  A tal ponto que ficou conhecida como o anjo dos pobres. Ainda antes que a Conferência de Medellín acontecesse, viveu essa opção preferencial pelos pequenos da sociedade, fazendo deles o centro de sua vida e de seu trabalho, a eles dedicando o melhor de suas energias.

Além disso, Irmã Dulce é uma mulher.  A Igreja tem canonizado muitas mulheres.  Mas chama a atenção que juntamente com ela o Papa Francisco tenha canonizado várias outras.  Aumenta o número de mulheres reconhecidas oficialmente pela Igreja católica como santas.

Isso se encontra em perfeita sintonia com as posições que o Papa Francisco tem tomado ultimamente, de palavra e de obra.  Sem cessar, ele tem sublinhado a importância da mulher para a vida da Igreja.  Valoriza as posições e as atitudes das mulheres, figuras fundamentais para que a Igreja cumpra sua missão, tem igualmente valorizado a competência delas, nomeando várias para cargos importantes no Vaticano. Entre elas, a brasileira Cristiane Murray, nomeada vice-diretora da Sala de Imprensa do Vaticano.

Com a Irmã Dulce, a Igreja do Brasil ganha sua primeira santa canonizada, a América Latina vê reconhecida uma testemunha privilegiada da opção continental pelos pobres, a santidade de uma mulher reconhecida e proclamada oficialmente pelo Sumo Pontífice. Trata-se de um grande presente para o Brasil, onde a mulher ainda é tão pouco valorizada em tantas esferas da vida, sendo inclusive vítima das mais diversas violências.  O fato de que a primeira santa brasileira seja uma mulher é um sinal poderoso da importância de tratar com carinho as filhas de Eva, demonstrando que são mais que nada e antes de tudo filhas de Deus.

Parabéns, Bahia!  Parabéns Brasil!  Santa Dulce interceda pelo seu povo.  Ajude-o a viver sempre mais a opção pelos pobres que você encarnou com tanta radicalidade.

 Obs: Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus), entre outros livros.

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