Frei Betto 1 de outubro de 2019

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Nem todos devem ser politicos profissionais. É preciso vocação e, de preferência, decência também. Mas em qualquer atividade que se exerça, faz-se política, toma-se posição nesse mundo desigual.

Cada um de nós é chamado a se posicionar. Não existe neutralidade. Em tudo que fazemos contribuímos para manter ou transformar a realidade; dominar ou mudar; oprimir ou libertar.

Quando me perguntam por que me envolvo em política, por via pastoral ou de movimentos sociais (nunca me filiei a partido político), respondo: porque sou discípulo de um prisioneiro político. Que eu saiba, Jesus não morreu nem de hepatite na cama, nem de desastre de camelo em uma rua de Jerusalém. Morreu como muitas vítimas da ditadura militar brasileira – preso, torturado, julgado por dois poderes políticos e condenado à pena de morte dos romanos, a cruz.

A pergunta é outra: por que Jesus foi condenado, se era tão espiritual e santo? Que tipo de fé temos hoje, nós cristãos, que não questiona essa desordem estabelecida que produz aberrações como o assassinato da menina Ágatha? Jesus foi condenado por apregoar ser preciso buscar um “outro mundo possível”.

Dentro do reino de César, Jesus anunciava o Reino de Deus! A Igreja deslocou-o para a vida após a morte. Mas, para ele, o Reino de Deus fica no futuro histórico. Tanto que oramos “Venha a nós o vosso Reino”, e não “Leve-nos ao vosso Reino” . Anunciar um outro reino dentro do reino de César era alta subversão.

Jesus não veio fundar uma Igreja ou uma religião. Veio nos trazer as sementes de um novo projeto civilizatório, baseado na justiça e no amor. Basta ler as Bem-aventuranças e O sermão da montanha – um mundo de partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.

É interessante observar que, nos quatro evangelhos, a expressão Reino de Deus aparece, na boca de Jesus, 122 vezes. E a palavra Igreja apenas duas vezes.

A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. E deveria ser, como ele foi, semente do novo projeto civilizatório, isenta de fundamentalismo religioso. É bom lembrar que Jesus curou o servo do centurião, que era pagão, e a mulher  cananeia, que não era judia e pertencia a um povo politeísta.

Disse a cada um deles: “A tua fé te salvou”. Um fundamentalista diria: “Primeiro, acredite no que prego. Depois, se torne meu seguidor e, então, lhe farei o bem.”

Em nossa sociedade são merecedores de direitos aqueles que gozam de certo padrão de vida. Para Jesus, ao contrário, a pessoa pode ser cega, coxa, hanseniana, excluída. Ela é templo vivo de Deus! Eis a radical defesa dos direitos humanos.

O simples fato de uma pessoa existir já a torna dotada de ontológica sacralidade. Isso é extremamente radical. O marxismo europeu, por exemplo, graças ao qual a modernidade avançou em termos de inclusão social, nunca defendeu os direitos indígenas, como fez o marxista peruano Mariátegui. Até entendemos a razão, pois foi criado na Europa, onde havia poucos índios. Mas também nunca defendeu o protagonismo dos moradores de rua, chamado lumpemproletariado. Ou seja, eles seriam os beneficiários de um futuro projeto socialista ou comunista, mas não protagonistas. Para Jesus, todos são chamados a serem protagonistas.

Portanto, abraçar os direitos humanos é aceitar que cada pessoa é dotada de radical dignidade. Em linguagem teológica, sacralidade.

 À luz dos direitos humanos há que indagar: o que nossos políticos propõem é para aumentar o lucro de uma minoria ou defender os direitos de todos?  É para favorecer um pequeno segmento ou para que toda a nação seja beneficiada?

 Não sejamos ingênuos. Direitos humanos são incompatíveis com um sistema que defende, como principal direito, a acumulação privada da riqueza.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo.

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Um Deus muito humano” (Fontanar), entre outros livros.

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