Ouvi muito papai dizer: quem pariu Mateus que balance. Ou seja, a mãe, frisando que o pai não o pariu, embora responsável mediato. Eu era menino, então, e já se discutia a legitimidade de quem caberia balançar Mateus. Hoje, a situação continua a mesma, na sentença de que quem pariu Mateus que balance. Só posso concluir que Mateus continua chorando, sem ter ninguém para balançar sua rede. Ou seja, enquanto todos cresceram – eu já tenho sessenta e nove anos, – e muitos  morreram – papai, por exemplo, a completar trinta anos de morto em novembro próximo -, Mateus, coitado do Mateus, continua chorando, porque ninguém está balançando sua rede, nenhum filho de Deus dele se aproxima para suprir a omissão da mãe, que deveria balançar, nem do pai, que, ninguém sabe nem se encontra em casa.

O pior é que não se pode tomar nenhuma providência, por não se saber quem é a mãe de Mateus, quem é o pai de Mateus, o que fazem, o motivo de deixarem Mateus sozinho nessas décadas todas, talvez até séculos, fato que não chega ao conhecer de nenhum membro do Ministério Público, nem estadual, nem federal. Quiçá o não balançar a rede de Mateus não esteja catalogado como crime em nenhuma norma, nem se constitua em objeto central de tratado celebrado pelo Brasil com a comunidade internacional, de modo que a situação continua a mesma, Mateus chorando, sem que alma caridosa alguma esteja a balançar a sua rede.

Às vezes chego à conclusão que Mateus, de tanto chorar, esqueceu de crescer, e, malgrado o tempo de choro, continua criança, como se fosse Peterpan lá detrás da serra. O real é que não despertou a misericórdia de ninguém. Ou, quem sabe lá, Mateus é uma criança chata, insuportável, de choro que incomoda, pessoa alguma aguentando dele se aproximar. Talvez a rede feda a mijo, Mateus atolado de fezes, o que afastou a mãe, pai e todo mundo. Vou rezar para Mateus não ser meu vizinho.  5 de abril de 2019.

Obs: Publicado no Diario de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras  

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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