(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Nós, que vivemos os tempos empolgantes do final dos anos 1960 e da década de 1970, muitas vezes nos perguntamos o que acontece com as novas gerações. Queríamos mudar o mundo, respirávamos utopia, apostávamos todas as fichas na luta por um mundo melhor. E ficamos perplexos por não ver essa mobilização acontecendo com nossos filhos e netos, que nos parecem por vezes reféns de uma passividade imediatista que só deseja sorver o presente e cujo horizonte mais e mais se encurta.
A sexta-feira da greve global pelo clima mudou esse nosso olhar e transformou igualmente a percepção de nossa geração sobre o imenso desafio que temos pela frente. As crianças e os jovens nos disseram o que os mobiliza, o que os apaixona, o que os faz perder noites de sono e ir às ruas cheios de esperança. Trata-se do futuro do Planeta, da Mãe Terra, do habitat nosso e de todos, da Casa Comum.
A liderança foi da ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos. Desde seus 15 anos Greta faz greve às sextas-feiras diante do Parlamento de seu país em favor do clima e contra a indiferença dos governos à ameaça que paira sobre o planeta. A greve foi convocada e a resposta surpreendeu: mais de 130 países aderiram, milhares de pessoas foram às ruas exigir medidas concretas contra a destruição do planeta.
A esmagadora maioria desses manifestantes é jovem, alguns recém-saídos da infância e entrando na adolescência. O futuro do planeta os mobiliza, e eles e elas mostram aguda consciência do perigo que correm todos os humanos e todos os seres vivos se não for detida a destruição massiva que está em curso com o aquecimento global, as emissões de combustíveis, o desmatamento descontrolado e outras ocorrências que se multiplicam. Todos esses preocupantes sinais são impulsionados por um sistema que só visa lucro a qualquer preço e padece de crônica miopia por tudo que se situe além do imediatismo e do curto prazo.
Entre os pensadores que refletem sobre o tema e dão as pautas a esse movimento está o Papa Francisco, que com sua encíclica publicada em 2015, Laudato Si, faz uma aguda análise da situação da ecologia em nível mundial. Mas além disso adverte que aquilo que afeta o planeta, toca sobretudo nos mais vulneráveis de seus habitantes: os pobres, os oprimidos de toda sorte que são as primeiras vítimas da destruição da casa comum.
Além de denunciar o mal que faz a destruição do planeta aos pobres da sociedade, a Encíclica apresenta a Terra como um desses pobres e vulneráveis, vítima de um progresso desordenado e desenfreado. Já no início do documento, Francisco afirma que “entre os pobres mais abandonados e maltratados, está nossa oprimida e devastada terra, que geme e sofre dores de parto”. Destacando a luminosa figura de Francisco de Assis, cujo cântico das criaturas dá o título à encíclica – Laudato sì – o Papa relembra que ele era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade e em uma maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo. Alguém que mostra até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça com os pobres, o compromisso com a sociedade e a paz interior.
Talvez sem o saber, essas crianças e jovens, muitos deles oriundos de países secularizados, estão em profunda sintonia com a Igreja naquilo que reivindicam. Em busca de um líder ao qual possam confiar seus desejos e reivindicações, encontrarão certamente o Papa Francisco que, em sua encíclica, apresenta ao mundo a urgência de uma conversão ecológica integral, a fim de que a criação de Deus e a vida que nela habita tenha futuro.
A visão dos milhares de jovens e adolescentes manifestando e pedindo pelo planeta tinha a forma de uma grande liturgia. Ali está a utopia de sua geração, sua paixão, aquilo pelo qual estão dispostos a tudo. De seus corpos e bocas saía a expressão da verdade que denuncia a hipocrisia e a irresponsabilidade dos poderes destruidores da terra e da vida.
A multicolorida manifestação evoca uma frase de Jesus no Evangelho de Mateus: “Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor’”. A indignação dos meninos é louvor ao Senhor da vida, cujo Espírito sopra e anima tudo que existe. E que deseja ver sua criação desabrochada e bela, jorrando vida em plenitude àqueles que a habitam.
A jovem Greta passeou sua liderança indignada pelas ruas de Nova York e na sede das Nações Unidas fez um dramático apelo a todos nós. Legamos à sua geração um mundo dizimado por duas guerras mundiais e estamos a ponto de destruir para sempre o planeta onde ela e seus filhos habitarão.
É triste que essas crianças e jovens devam interromper sua infância e juventude, prejudicar sua escolaridade, para lembrar-nos de nossas responsabilidades negligenciadas. Mas ao mesmo tempo é fonte de muita esperança que o façam com tanta paixão e tanto compromisso. Laudato si!
Obs: Maria Clara Bingemer é autora de “Simone Weil – Testemunha
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