Djanira Silva 1 de outubro de 2019

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Quando queremos dizer que alguma coisa não está nos conformes, usamos a expressão – no meu tempo. Realmente, tivemos vários tempos. Da infância, da juventude, da maturidade.
Por exemplo, no meu tempo, criança era criança. Havia pai e mãe orando e vigiando para não cairmos em tentação. Com o advento do divórcio e da liberdade da mulher a família virou lembrança – é pai para um lado, mãe para o outro e os filhos, só Deus sabe. As crianças já nascem velhas. Logo cedo se transformam em arremedos de adultos, as menina de lábios pintados, sapatos de salto, dando ordens, mandando e desmandando em pais que não impõem respeito porque não querem ter o trabalho de educar. Jogam no mundo e esperam que aprendam os maus costumes que depois são exibidos como precocidade. Já existe até uma tal de Supernany, uma espécie de domadora dessas ferinhas. Quando assisto a um desses programas vejo o quanto faz falta uma boa palmada. Isto, porém, é proibido, é permitido sim, filhos estrebuchando e se debatendo no chão, dando na cara dos pais e eles tentando educar com um arregalar de olhos, olhos que por pouco não pulam dos buracos pois as crianças não estão nem aí.
Mulheres cultas, com educação de nível superior, entregam os filhos para serem cuidados por mulheres que mal aprenderam a ler. Os maus resultados são visíveis. A maioria das babás deixa as crianças aos cuidados da televisão que presta um desserviço à educação. Criados ao Deus dará, transformam-se em adolescentes rebeldes, revoltados sem nenhuma formação. Então, repete-se a velha frase: no meu tempo…, realmente no meu a música tocava diferente. Éramos rebeldes mas o pau cantava. O pai geralmente era a autoridade máxima e ai daquele que saísse da linha. Eu saia porque eu não era trem. A presença do meu pai era suficiente para mostrar com quem estava o poder. Hoje eles têm medo dos filhos. Quem não foi revoltado na juventude? A irreverência é própria desse fase da vida. A revolta faz parte da formação da personalidade. Revolta contra ordens, ensinamentos, horários escolares, governos e prepotências. Estes males, porém, eram contornados pelos ensinamentos e pelo esclarecimento, tanto em casa quanto na escola, papel que hoje é desempenhado pelo psicólogo. No meu tempo não tinha isto não. Psicólogo era o olho do pai e o chinelo da mãe. Ambos funcionavam sem palavras num silêncio bastante eloquente.
No meu tempo, os casamentos eram estáveis. Hoje, com motivo ou sem, apela-se para a separação. As mulheres emancipadas acham-se o máximo quando abrem a boca para dizer – não preciso de homem. Se não precisam por que os forrós e baladas ficam lotados de mulheres desemparelhadas procurando companhia, às vezes, bem pior do que a anterior?
Nesta nova conjuntura as falsas religiões proliferam. Um mercantilismo descarado. Algumas prometem riquezas, bons negócios, lucros fáceis. Outras acenam com o caminho do céus. Só não ensinam como pegar condução para chegar lá. Tudo em nome de Jesus. Um Jesus que aliás está é muito paciente, Por menos do que isto expulsou os vendilhões no Templo. Fico confusa quando recebo cartas de algumas entidades religiosas solicitando doações em nome de tais e tais santos, ou em troca de fortunas imprevisíveis e sucessos mirabolantes.
A vida está ou não difícil? Se até os santos estão pedindo esmolas, o que dizer de quem ganha o salário mínimo? Como é que a gente pode pedir a quem se encontra em tamanha penúria?
Como gosto das coisas certinhas, mandei pedir o CPF e o número da conta dos santos. Quando me mandarem, juro que pagarei todos os boletos.
Por exemplo, em nome de Nossa Senhora, tenho recebido boletos com valores já estipulados. Santo Expedito não para de pedir. São Miguel, Santa Edwiges a mesma coisa. Acho que eles estão se vingando da choradeira cá da terra. Os boletos chegam aos montes, nenhuma em nome de Jesus, todos em nome da vigarice.
Na verdade, falo assim não porque eu esteja na melhor idade, aliás, melhor para morrer e sim porque o mundo está louco tanto na terra como no céu.

Obs: A autora é poetisa, escritora contista, cronista, ensaísta brasileira.

Faz parte da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Academia de Letras e Artes do Nordeste, Academia Recifense de Letras, Academia de Artes, Letras e Ciências de Olinda, Academia Pesqueirense de Letras e Artes , União Brasileira de Escritores – UBE – Seção Pernambuco
Autora dos livros: Em ponto morto (1980); A magia da serra (1996); Maldição do serviço doméstico e outras maldições (1998); A grande saga audaliana (1998); Olho do girassol (1999); Reescrevendo contos de fadas (2001); Memórias do vento (2003); Pecados de areia (2005); Deixe de ser besta (2006); A morte cega (2009). Saudade presa (2014)
Recebeu vários prêmios, entre os quais:

Prêmio Gervasio Fioravanti, da Academia Pernambucana de Letras, 1979
Prêmio Leda Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras, 1981
Menção honrosa da Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1990
Prêmio Antônio de Brito Alves da Academia Pernambucana de Letras, 1998 e 1999 
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2000
Prêmio Vânia Souto de Carvalho da Academia Pernambucana de Letras, 2010
Prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras, 2014

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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