No próximo dia 23 de outubro, somos convocados às urnas. Desta vez não vamos eleger ninguém. Vamos decidir uma questão: proibir, ou não, o comércio de armas em nosso país.
O referendo é um dos instrumentos de consulta popular, previstos em nossa Constituição. Esta iniciativa é do governo. O Ministério de Justiça amadureceu a decisão de proibir o comércio de armas, como caminho eficaz para diminuir o prejuízo humano que o uso de armas propicia. Mas como se trata de assunto profundamente vinculado à cultura popular, o governo quer consultar os cidadãos, colocando em suas mãos a decisão.
Portanto, trata-se de uma decisão que é colocada sob nossa responsabilidade de cidadãos.
Em primeiro lugar, uma consideração sobre a importância desta oportunidade de expressar nossa vontade através de uma consulta popular. Em tempos de tanta crise de legitimidade dos políticos eleitos pelo povo, que coloca em questão a democracia representativa, é bom valorizar este instrumento de democracia direta. Ele pode estimular outras iniciativas, mostrando a validade de construirmos consensos populares sobre assuntos importantes, e expressá-los de forma oficial.
Daria para ter colocado outras questões, junto com esta do desarmamento. O povo estaria muito disposto a opinar sobre a decisão de se fazer, ou não, uma auditoria da dívida pública. De proibir, ou não, as doações das grandes empresas para campanhas eleitorais. De estabelecer, ou não, a fidelidade partidária. Se estas questões fossem também colocadas para a nossa decisão, iríamos para o referendo com muito mais motivação, e mais responsabilidade também.
Mas o referendo será sobre a proibição do comércio de armas. Vale a pena?
A resposta depende da consciência que temos da gravidade da questão. Daí a importância de nutrir a consciência com informações que ilustram o problema do comércio de armas e suas conseqüências práticas.
Portanto, vamos aos dados.
Dizem as estatísticas que no Brasil morrem, anualmente, cerca de quarenta mil pessoas, vítimas de arma de fogo. O número é estarrecedor, e requer comprovação. De fato, nos últimos 25 anos, 600 mil pessoas foram mortas por arma de fogo. Quarenta por cento dessas pessoas eram jovens de quinze a vinte e cinco anos. Conferindo melhor, eram pretos, pardos, moradores das periferias das médias e grandes cidades.
Os números impressionam. Mas, quando se trata de pessoas, não basta olhar os números. Pessoa não é indivíduo desvinculado. Cada uma dessas vítimas, em média, envolve outras cinco vítimas ocultas, na pessoa do pai, da mãe, filhos, namorada, esposa, amigos e amigas.
Pois bem, com tantas vítimas das armas de fogo, convém deixar que as armas se disseminem, indiscriminadamente, ou convém proibir o seu comércio?
Com o referendo do dia 23 de outubro, o governo está pedindo nossa adesão para proibir o comércio de armas em nosso país.
Nesses dias tive a oportunidade de caminhar pelas ruas de Buenos Aires. A certa altura, fiquei estarrecido diante de uma vitrine: exibia para venda armas de todo tipo, cano curto, longo, simples, duplo. Nem saberia os nomes adequados de tantas armas. E fiquei imaginando os possíveis alvos desse arsenal. Não seria a pobre fauna, que já desapareceu. Onças, tigres, leopardos já não existem, coitados. Quem seriam, então, os potenciais alvos dessas armas?
Foi aí que o arrepio aumentou. No espelho da vitrine, desenhava-se vagamente o vulto das pessoas que passavam pela rua. As armas exibidas já estavam apontadas para seus alvos. Não eram leões nem tigres. Eram pessoas humanas.
Quem compra uma arma está premeditando um homicídio. Com a desvantagem de atrair a desgraça sobre si mesmo. Pois a própria imperícia precipita a agilidade alheia. E acaba morrendo quem pensava se defender.
O referendo poderá salvar milhares de vidas por ano. Depende do nosso SIM.
Obs: O autor é Bispo Emérito de Jales.