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(para Clarice Lispector – 1925/1977)
Nesse caminhar perdi-me muito.
Mas nesse perder-me
fui achando
e o problema sempre foi
saber o que fazer
com o que eu havia encontrado.
Porque todo momento de achar
também é um momento
de perder-se a si mesmo.
De todo o não-bom
que me foi chegando
fui guardando e organizando.
E, deles, forjei o melhor:
a esperança.
Distribuí pelos dias e pelas fomes
a visão de uma carne infinita,
sem saber que era também
a visão dos loucos.
Essa distribuição salvou-me
da perdição e da loucura,
segui buscando ensandecido
a vida humanizada.
Minha humana condição depende
do meu sacrifício de conseguir esquecer.
Se bem me lembro, outro poeta já disse
que somos educados para o esquecimento.
Mas o triste é ver na face das pessoas
que elas esqueceram e já não sabem mais
que esqueceram e o que esqueceram.
O meu terror é a claridade natural
do que se é, do que existe.
Afora aquela que nasce
de um desejo de beleza e moralismo,
embora eu saiba que o horror
sou eu diante das coisas.
A grandeza do mundo me diminui.
A verdade não fez e não faz sentido.
Mas, por que toda vez que falo
eu te assusto e te perco?
Pois se eu não falar me perderei e,
ao me perder, eu te perderia.
Sigo tropeçando em tudo
que não parece fazer sentido,
sem entender que o sentido
é feito de todo esse sem sentido.
Enquanto isso,
o velho desafio grita:
criar em mim alguém
que entenderá tudo isso.
Minha questão é velha como o mundo.
E está além da trivial “que sou”
mas, “entre quais caibo”.
Apesar desse olho vigilante sobre mim,
camaleonicamente rotativo entre
a verdade,
a moral,
a lei humana
e Deus.
Por isso,
também ainda pergunto
se não ter vaidade não será
a pior forma de envaidecer?
Eu, serzinho que sempre conservou
aspas à minha direita e à minha esquerda.
Preso numa fotografia do não-ser
porque nunca me revelaram
que o retrato é a maior enganação
que já inventaram,
pois tudo o que ele guarda
é o vazio, a falta, a ausência.
Tateio nessa tartamudez
sem poder gritar
o alarme sufocado de estar vivo,
pois não deixam sair
desse mundo possível,
um ser gritante e excepcional.
Até então,
não soçobrei sob essa construção
sentimentária e utilitária,
porque vi que o nosso melhor
é a parte coisa,
o inumano,
esperando Deus para nos reivindicar.
Tentei comer do fruto
do bem e do mal,
para ser expulso desse
paraíso de adornos.
Mas a verdade deles, a sua bíblia
e tudo o que dizem,
só enlouquecendo para entender.
Na intenção de construir
uma alma possível,
uma alma que não devorasse
sua própria cauda.
Mas a lei diz para que eu me contente
com o mundo que está aí,
sempre disfarçadamente vivo.
Escondo em mim
o que é intraduzível,
a hora da morte,
o fim das baratas.
Assim, do meu lado exposto,
faço meu avesso ignorado
pra suportar o Amor,
isso que só é
quando ignora a identidade
que nomeia cada coisa.
Qual o segredo de ser uma pessoa?
Não saber?
Mas, se a pessoa não sabe,
mesmo assim, a verdade existe?
Toda transcendência que alcanço é falsa
porque peco originalmente contra a vida,
cumprindo, de forma ignorada, minha lei.
Mas, se eu a descumprir,
estarei ainda pecando contra a vida?
Somos inventores natos de passados.
Se inventei o que me aconteceu ontem
onde erma minha vida real?
Já que o inexpressivo é demoníaco,
resta-nos o comprometimento com a esperança.
Eis-nos cercados de terror pelos dois lados.
Pois, do outro, todos tememos ver o que é Deus.
A meditação será sempre
uma coisa alienada de nós.
Porque meditar é buscar o vazio, o desrumo,
enquanto pensar – o que sempre fazemos
quando tentamos meditar –
tem sempre um objetivo.
Somos hábeis
no desuso e inutilidade da verdade,
porque nunca fomos adultos o suficiente
para se apossar de uma sem nos destruir.
Apesar da milenar fome de sentido
que carrego, a minha fome, na verdade,
é do pouco, é do menos.
Porque grande é só a barata.
Ela nunca se descontinua,
vem do infinito e o transpassa,
enquanto eu me finito
sufocado na quantidade,
sem perceber que ele é
simplesmente qualidade.
Esperança ou outro nome para Deus
é outra coisa que nunca se descontinua.
É e continua sendo.
Nós é que não agüentamos sua luz.
Um enigma não se explica,
um enigma se repete.
E o nome, sendo um intervalo para a coisa,
dela nos distancia.
A semelhança nos repele.
Por causa dela
nunca entramos um no outro.
E essa nostalgia que trazemos no âmago
Não é de Deus,
mas de nós mesmos.
Seguimos capengando na falta
de nossa grandeza impossível.
Ainda há esse excesso de humanização
que impede no homem a sua humanidade.
Eu, que há tanto arrasto
essa mansa loucura,
forma única e modo sadio
de me caber num sistema.
Sem perceber que o Amor
está, sempre esteve e,
para que exploda,
espera apenas o golpe da Graça:
a paixão.
Obs: O autor é Jornalista e Gestor Cultural.
Imagem enviada pelo autor.