É incrível como o mundo evoluiu em comunicação, mas é ao mesmo tempo assustador como o ser humano se influencia pelas propagandas e pelas inúmeras notícias que circulam nas mais diversas plataformas virtuais. A percepção, que antes era tão concentrada, a ponto de direcionar nossas energias cognitivas rumo a análises profundas de determinados argumentos, hoje tornou-se tão distraída que bastam poucos minutos de meditação para entrarmos em desespero e pânico. Corremos veloz ao celular para verificar mensagens que nos dão satisfação momentâneas. O que está em jogo por trás de tudo isso é o fato que somos seres de relação, ou seja, não somos destinados ao isolamento. Existe na nossa constituição ontológica uma abertura maravilhosa que nos põe em contato uns com os outros e com o mundo. Se essa dimensão em si é saudável, então por que às vezes nos revelamos tão agressivos, estressados e indiferentes com o próximo? Parece que tem algo errado.
A primeira coisa que podemos constatar é que com o advento do mundo moderno, apesar de todas as indiscutíveis conquistas, o sujeito passou a pensar mais em si mesmo. Na verdade, sabemos que a marca característica da modernidade é a primazia da subjetividade: “Penso, logo existe”. O sujeito está no centro. Todas as grandes instituições que pretendiam dominar a existência entram em crise. A Igreja já não é mais a senhora da verdade. Aos poucos, a própria razão vai se libertando das tutelas do mundo religioso. O sujeito sabe que pode assumir o controle da sua vida. Mas foi esse excesso do “eu” que nos distanciou da própria humanidade, ou seja, de nós mesmos e dos outros. Com a tecnologia, a serviço dos grandes impérios, parece que perdemos a nossa liberdade, pois somos obrigados a engolir o pão duro do excesso das informações. Além do mais, a propaganda enganosa faz do outro um inimigo para derrotar, alguém com quem devo competir para ser bem sucedido economicamente. Esse percurso de conflito, alimenta o medo do estrangeiro, o que nos leva ao fechamento em nosso próprio mundo. Essa é a guerra da indiferença, ou para usar uma expressão de Byung-Chul Han, se trata do inferno do igual, visto que o próximo com as suas variadas formas de vida me traz medo e insegurança.
Desde sempre, existiu uma tendência a nos relacionarmos apenas com aqueles que comungam dos mesmos ideais. A civilização grega desenvolveu o espírito republicano, ou seja, o homem da pólis (o cidadão), era capaz de debater as questões a partir da razão e da ética, mas numa perspectiva nacionalista, tendo em conta que haviam restrições em acolher outros povos. A postura era mais o combate e a guerra. Essa alma republicana, apesar de valorizar as relações até um certo nível, é completamente diferente do espírito do cristianismo. Isso ficará muito claro com a exortação do apóstolo Paulo: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Por isso, o ethos cristão é universal, vai além dos muros das cidades, pois é aberto a todos os povos. É exatamente esta constatação que nos faz afirmar que os cristãos deveriam ser abertos às culturas, línguas, raças, enfim, o cristianismo na sua constituição é relacional e não deve nutrir qualquer forma de exclusão ou indiferença.
Quando insistimos que somos relação queremos sublinhar o mistério insondável que cada ser humano possui e que só pode ser revelado se nos colocamos em atitude de diálogo. À medida que me aproximo do outro e procuro acolher a sua forma de vida, ouvir a sua história e entender as particularidades de seu contexto, posso ser mais humano e sensível com a vida, tornar-me mais forte e maduro para acolher o mistério da alteridade.
Uma pessoa que aprende a respeitar o mistério que o outro carrega, em vez de nutrir a alma republicana que vê apenas ao interno de nossos muros, nutre sim um coração materno. A maternidade aqui comporta duas características, a amizade e a fraternidade. Ser amigo (a amizade): aprender a cuidar de modo particular. Isso não equivale a formar grupinhos de afinidade. Significa socorrer com urgência os mais frágeis, é ser mão estendida a Lázaro que mendiga às portas do rico opulento. Ser irmão (a fraternidade): tem a ver com o senso universal de amar a todos (ágape), desejar estar com aqueles que ainda não se sentem amados. O nosso ícone de relação que comporta estas duas dimensões é Jesus, nosso amigo e irmão. Para ir mais além, tudo isso é o mesmo que afirmar que Deus é também mãe.
Para colocarmos em evidência o fato de sermos seres de relação, temos que nos deixar interpelar pela vida, por cada momento experimentado. Apesar de vivermos numa época de grandes desafios humanos, nós podemos enfrentar juntos a história da indiferença com o nosso testemunho cotidiano de não deixar cair as duas colunas que sustentam o ethos cristão: a amizade e a fraternidade universal. Por isso, é bom que nestes tempos de turbulência não nos esqueçamos dessa verdade: nós somos relação!
Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.