ENTREVISTA

Confira a entrevista na integra:

Em que momento o senhor percebeu a urgência de se escrever sobre a transformação da Igreja?
Eu percebi há alguns anos que havia muita tensão dentro da Igreja, que refletem um pouco as tensões na sociedade. Nós, hoje, vivemos numa época de radicalizações de posições. Precisamos de pessoas com mais tranquilidade, com a cabeça mais fria, para ver com mais objetividade os problemas, pois a dimensão ideológica está muito forte.
Com a vinda de Francisco, que trouxe uma série de novidades, as tensões também passaram a ocorrer dentro da Igreja entre os que não gostariam de ver mudanças e entre os que acham as mudanças necessárias. Muita gente está perplexa. Porque a Igreja, até agora, era um lugar onde o Papa falava e todo mundo acatava. Isso dava uma impressão de uma Igreja estável, sólida. Hoje, vemos figuras importantes da Igreja como padres, Bispos e Cardeais falando mal do Papa e divididos entre eles.
Então é preciso estudar de onde estão vindo essas desavenças e mostrar que aquela ideia de uma Igreja sempre igual, nunca foi realidade. Desde o tempo de Jesus Cristo a Igreja sempre foi mudando. A chave de leitura é a história. A humanidade nunca vai ser a mesma. Se o ser humano é histórico, então a Igreja também é histórica. Aquilo que a gente chama de doutrina, o que a gente chama de verdades da fé, também é histórico. Então eu pego desde Jesus Cristo e mostro como que a Igreja mudou. O livro quer mostrar que essas mudanças se justificam, que esse Papa sabe o que está fazendo.

O senhor dedicou este livro ao Papa Francisco. Em que sentido o senhor acha o Papa “incansável no empenho pela reforma da Igreja”?
Isto está sendo mostrado a cada dia. É um Papa que percebeu que tinha que fazer a reforma, sabe que não vai ter apoio total, porque cada um dentro da Igreja tem o direito de pensar diferente. Sabe escutar, por isso que ele está fazendo esses Sínodos. Para isso que ele quer que haja participação de todos. A palavra chave aqui é a Sinodalidade, que significa caminhar juntos.

Em quais documentos da Igreja o senhor se inspirou para escrever este livro?
Sobretudo o Concílio Vaticano II. Depois tem as exortações apostólicas do Papa: Alegria do Evangelho, Alegria do Amor. E também sobre a Misericórdia de Deus. É um texto muito importante, na minha opinião. Mas, sobretudo, o Concílio Vaticano II. O que esse Papa está fazendo é uma espécie de continuação do Concílio Vaticano II.

Até que ponto a Igreja pode se transformar sem perder a sua identidade?
Há uma criança, e essa criança tem 2 meses de idade. Ela cresce, e com 10 anos ela é a mesma pessoa. Com 20 anos, ela é a mesma, mas não é. Há algumas coisas que dão identidade a ela, mas a aparência com os anos mudou. Na Igreja, também há características que a definem. Que são: acreditar em Deus, acreditar em Jesus Cristo, acreditar na ação do Espirito Santo, acreditar que através do Batismo e da Eucaristia, sobretudo desses dois sacramentos, que você pertence à Igreja. Acreditar que na Igreja você tem um ministério, isto é, têm pessoas ordenadas, que seriam os bispos para cuidar. E acreditar também que se forma uma comunidade dos que creem em Jesus Cristo. Isso que eu acabei de falar são 6 elementos que definem a Igreja. Mas como que isso vai se concretizar? Por exemplo, na época de São Paulo não tinha templo, onde é que celebravam a Eucaristia? Nas casas, porque não tinha igreja construída. Com o tempo vai mudando. Aí a Igreja vai ganhando mais força, mais corpo e vão criando templos. Mas a Igreja lá do tempo de Paulo e a Igreja do século IV são diferentes, mas é a mesma Igreja. Por que? Porque têm fé em Deus, acreditam na divindade de Cristo, e isto é fruto da ação do Espirito Santo, acreditam, sobretudo, na Eucaristia e no Batismo. A mesma coisa que os primeiros cristãos. No século X, a mesma coisa. Igreja da Renascença, a mesma coisa. É a Igreja, mas é diferente. A Igreja que veio da Revolução Francesa e a Igreja do começo do século XX é diferente da Igreja de hoje. O que que mudou? Mudou a maneira de ela se concretizar, mas a identidade dela é a mesma, porque a identidade é dada por essas características que eu citei. E essa identidade que foi mantida é fiel à tradição. O que que é Tradição? Tradição é toda essa riqueza que foi sendo acumulada ao longo dos anos. Que tem os santos: Santo Agostinho, Santo Tomas de Aquino, São Francisco de Assis.

Qual a mais urgente característica que a Igreja deve ter no Terceiro Milênio?
O acolhimento com a pessoa humana. Ou, se você quer em outras palavras, sensibilidade com a sociedade que nós temos hoje. Uma sociedade individualista, egoísta, muita gente sofrendo solidão, muita pobreza, tudo isso. Injustiças também. O Papa tem se mostrado muito humano. Então, ele é acolhido por todo mundo. Os árabes, os protestantes, os orientais e os budistas. Esse Papa está sendo admirado por todos os povos e todas as religiões. Isso porque ele está em favor da pessoa. Ele acolhe todo mundo. Ele não quer saber se esses refugiados que estão morrendo no mediterrâneo são cristãos. Isso não interessa; são pessoas humanas. Então, ele manda as paróquias abrirem para receber árabes, que não são bem cristãos; eles são seres humanos. A mensagem de Cristo é uma mensagem de acolhimento. Cristo nunca fez nenhuma acepção de pessoas. Todo mundo que ia com Ele era bem recebido. Ele sempre tinha uma palavra boa para dar, seja para uma prostituta ou para a samaritana que tinha cinco maridos, acolhendo a mulher na situação dela de acordo com as suas necessidades.

A questão que o senhor levantou sobre a mulher samaritana e sobre Jesus falar com prostitutas. Isso significa que devemos ser coniventes com os pecados?
Eu falei é que nós temos que acolher a pessoa. Santo Agostinho é genial nesse ponto: você tem que combater o pecado e acolher o pecador. São duas coisas diferentes. O pecado é errado. O certo e o errado a gente mantêm. Prejudicou o ser humano? Tá errado.
O maior pecado da vida é matar, porque você tirou a coisa mais valiosa do ser humano. Não adianta nada você ter 1 bilhão de dólares no banco se você está debaixo da terra, entende? A vida é o que há de mais importante. E daí, tudo o que significa tirar a vida, a reputação da pessoa, a saúde da pessoa, a liberdade da pessoa. Tudo você está tirando a vida. Mas outra coisa é a pessoa que está fazendo isso

Quais são as suas expectativas com essa Reforma?
Quem vai fazer a reforma é o Papa e toda a Igreja. Nós estamos ainda em processo. A minha expectativa é que haja uma melhora, né? Que a Igreja possa se apresentar de uma maneira mais simples, talvez com menos poder, menos luxo, menos solenidade. Na minha opinião, vai depender muito dos leigos e leigas, que vão ter que ter mais peso na Igreja. Não temos muitos padres e o pessoal não está tendo muitos filhos. Como é que vai ter padre? Vai diminuindo, em toda parte está acontecendo isso. Mas não quer dizer que a Igreja seja igreja de padres. A Igreja é Igreja de todos.  E esse Papa está muito nessa linha também. Deixar que todos tenham participação.

Obs: O Pe. Mario de França Miranda, professor emérito do Departamento de Teologia da PUC-Rio, lançou na  quarta-feira (28), o livro “A Igreja em transformação”. Após perceber as tensões na sociedade atual e atritos dentro da própria Igreja, o padre discorre sobre a transformação histórica da Igreja, desde o tempo de Jesus Cristo até a atualidade e os pontos que, segundo ele, ainda devem ser aperfeiçoados.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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