Maurício Cavalheiro 15 de setembro de 2019

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Cursava o sexto semestre de Direito e trabalhava como secretária em escritório advocatício na Avenida Paulista. Nos intervalos vespertinos, atravessava a rua e saboreava croissant acompanhado do melhor macchiato com caramelo da capital. Apreciava a cafeteria devido à clientela sofisticada. Conhecera, há poucas semanas, as irmãs médica e empresária. O primeiro contato só aconteceu porque aproximou-se da mesa e se convidou a sentar. Dias depois, já se considerava amiga íntima das irmãs.
– O que fizeram neste fim de semana?
A médica, interrompeu goles de cappuccino.
– Estivemos ontem com mamãe. Dia das mães é um dia muito especial. Você esteve com a sua?
– Eu? Se estive com a minha mãe? Então… Eu não tenho mãe.
– Como assim? Morreu?
A universitária tinha vergonha e raiva da raiz humilde.
– Morreu? – tornou a empresária.
– Não, não morreu. Ela mora longe.
– Por isso você não foi visitá-la?
– Ah… Faz tanto tempo. Talvez nem se lembre de mim ou, talvez tenha morrido naquele asilo. Vai saber.
As irmãs se silenciaram, indignadas. Terminaram o café e, pela primeira vez, as três saíram juntas do estabelecimento. Como das outras vezes, a universitária, com croissant nas mãos, assim que pisou na calçada, olhou de um lado para o outro. Procurava a senhorinha de cabelos brancos desgrenhados, embrulhada em andrajos. Quando a viu, mordeu pedacinho do alimento e jogou o resto na calçada. A mendiga, qual bicho esfomeado, se arrastou, agarrou a migalha e a levou à boca.
– Vejam só! Um lixo humano! Todos os dias com o mesmo olhar pidão. Como sou boazinha, colaboro para que não morra de fome.
As irmãs explodiram.
– Quem você pensa que é, garota? Mamãe não gosta de pessoas insensíveis iguais a você – Gritou a empresária.
– Olhe a minha cara de preocupada com o que sua mãe gosta, ou deixa de gostar. Ela não tem nada a ver com a minha vida.
– Talvez tenha.
Só compreendeu o significado daquela ênfase, quando a médica completou:
– Mamãe é proprietária do escritório onde você trabalha. Ela ficará sabendo dessas suas atitudes. Com certeza, será demitida.
Com algum esforço, a mendiga se ajoelhou aos pés das irmãs.
– Por favor, não permitam que ela perca o emprego.
– Cale a boca, velha morta de fome! Não preciso de sua ajuda. Tá com medo de ficar sem os pedacinhos de croissant? Quem a senhora pensa que é?
A mendiga se levantou, olhou fixamente nos olhos da universitária e falou:
– Fugi do asilo. Estava com saudades.

Obs: Publicado no Jornal Tribuna do Norte – Pindamonhangaba – SPaulo na coluna PROSEANDO de 18.05.18

 O autor é membro da Academia Pindamonhagabense de Letras é autor de: Lágrimas de Amor – poesia; O sapinho jogador de futebol – infantil; O estuprador de velhinhas & outros casos – contos; Histórias de uma índia puri – infanto-juvenil; O casamento do Conde Fá com a Princesa do Norte, e Um caso de amor na Parada Vovó Laurinda – cordéis.

Imagem enviada pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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