Hoje, mais do que nunca, assistimos a tantos discursos de apologia sobre a fé. Grupos e líderes religiosos levantam a voz para defender o “verdadeiro” Deus. Às vezes, tem-se a impressão de que estamos numa época de cruzada religiosa. As redes sociais são as principais armas e o canal de difusão das sentenças dogmáticas que prolongam um ciclo de divisão entre os assim chamados progressistas e conservadores.

No entanto, deve-se entender o que significa a apologia da fé. A Sagrada Escritura não se interessa com discursos de ordem metafísica. A questão central, quando falamos aqui de apologia tem a ver com um estilo de vida específico capaz de manter a fidelidade ao projeto de Jesus nos momentos mais difíceis e escuros da existência. Jesus pediu a sequela, ou seja, que nós o seguíssemos. Foi só no seguimento de Jesus que os discípulos cresceram na fé a ponto de darem também a própria vida por causa do Reino pregado por Ele. Em outras palavras: a credibilidade da fé é uma questão de seguimento (fidelidade) mais do que de debates sobre normas e preceitos.

A história de Israel, da qual nasceu o cristianismo, não é marcada por teologias abstratas, mas sim por aquela perseverança e fidelidade a Deus. A propósito, Israel se recusa a aceitar as consolações míticas que fornecem uma imagem divina completamente diferente daquela do Êxodo, ou seja, de um Deus libertador. É aqui que entra o drama do sofrimento. A teologia, para ser autêntica, deve aprender a justificar este problema. É somente assim que podemos acolher a revelação de Deus tal como Ele é e não como nós o formulamos com nossas divagações abstratas. Então, se a teologia assume a teodicéia (o problema do sofrimento) podemos nos aproximar melhor – mas não totalmente – do verdadeiro rosto de Deus. Mas a questão é: como justificar o drama do sofrimento? Devemos refleti-lo a partir da fé bíblica. Mas antes, vejamos aquilo que a própria teologia tentou dizer.

Santo Agostinho atribuía a causa do sofrimento ao pecado. Segundo ele, trata-se do mal uso da liberdade humana. Marcião, seu opositor, dizia que a origem está no Deus mau do Antigo Testamento. Para ele, só o Deus do Novo Testamento era bom. Este dualismo é combatido por Agostinho, o qual afirma que, seja o Antigo ou o Novo Testamento, possuem como origem um único Deus, o qual é sempre bom, ou seja, que existe apenas um princípio, a bondade. A origem do mal, para o bispo de Hipona, é de ordem moral, diz respeito ao pecado do homem. Por isso, o mal é a privação do bem. Todo o sofrimento, contudo, serve como uma pena para reparar os nossos pecados. Por meio desta visão, Deus não tem nada a ver com o problema do sofrimento, não pode ser envolvido. É uma questão exclusivamente ligada à liberdade humana, a qual é deturpada quando, através de algumas escolhas, nos distanciamos de Deus.

Para o teólogo alemão, Johann B. Metz, essa teologia agostiniana não contribui em nada na justificação do sofrimento, pois distancia Deus deste drama histórico. Partamos de um exemplo: diante de um jovem que ficou paraplégico devido um acidente automobilístico, seria justo dizer que tal tragédia serve como pena para reparar os seus pecados? Ou que isso não é um problema que envolve Deus, mas é exclusivamente o resultado das escolhas que ele fez? Tem algo que não se encaixa.

A questão remete à experiência bíblica de Jó, o qual nos ensina que não se deve ter medo de pôr o problema diante de Deus. Deve-se interrogá-lo e pedir respostas a Ele. Metz escolhe o grito de Jesus na cruz como legítima experiência de uma fé adulta. Jesus grita: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Parece que o seu Pai não responde, o filho morre sem uma resposta. Porém, a chave está na fé de Jesus, a qual não tem medo de pôr diante de Deus a pergunta sobre o sofrimento. A fé de Jesus constitui abandono total em um Deus que silencia, que parece abandoná-lo. Mas Jesus não o abandona jamais. Permanece fiel e credente. Por isso, seu sofrimento é por Deus. A fé bíblica não obriga que Deus diga o que queremos ouvir ou realize aquilo que imaginamos. Não! É exatamente a falsa imagem de Deus, que estamos acostumados a criar, que nos engana e nos deprime. A fé bíblica crê em Deus tal como Ele é e não como nós queremos que Ele seja.

Esse é o segredo e a lição do grito do crucificado. É, sobretudo, esta atitude de fé diante do sofrimento que torna credível a mensagem de Jesus para o mundo de hoje. Por isso, aprendamos a ser testemunhas fiéis, sobretudo nos momentos mais duros que nos confrontam com o mistério da dor.

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. É mestre em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG) – Roma.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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