Tenho andado por ruas estreitas, observando o arder nos confessionários das esquinas, numa insubordinação inconsciente, a cumprimentar corpos sem vida, que pedem bênçãos antes de morrer.
Sento-me no batente de uma calçada qualquer, abraçando o mundo no colo, inundada pelo sentimento de culpa de não dar conta das contas do terço e dos conventos que já não convencem.
Olho o ir e vir das pessoas na estação, olhos sem vida, pressa no coração. Até mesmo os que seguem em turismo parecem serem felizes por obrigação.
Sinto não ver um riso largo, um afago.
Uma risada espontânea chama minha atenção, como oposição aos meus pensamentos.
Sim, ainda há gente que sente sem fazer de conta.
Esqueço as contas do terço e desabo a rir dessa minha loucura, querer ser sã num mundo sem cura.
Escapar dos atentados, estar atento. Cuidar dos ferimentos do corpo e dos outros.
Mas que romântica era aquela ruela, chão de pedras, varandas com flores…
Os ponteiros apontam o entardecer enquanto a porta aberta de um casarão me conta um segredo.
Usa um pseudônimo para me dar o recado. Por certo comprometedor.
Rasgo dentro de mim, dou de ombros.
Muitas vezes não saber é esperteza. Estalo a língua num forçar de desdém.
Uma senhora vestida quase em trapos me pede um trocado. Sem querer ela me invade e me culpa.
A pior arma que alguém pode ter nas mãos é a arma da miséria.
Olho a igreja no final da rua. Um tiro no peito.
Vejo o mundo punido sem julgamento e a mediocridade dando as ordens.
A senhora me olhava nos olhos.
Bomba-relógio. Eu estava tão prestes a explodir ali.
Em meus impulsos, tão meus, convidei-a para sentar, numa tentativa de abrandar o sofrimento com palavras, já que não tinha voz para dar ordens ao mundo.
Ela apenas chorou. Balbuciamos orações ao Universo.
Peguei suas mãos fracas e envelhecidas e acolhi entre as minhas. Foi quando bebeu um pouco de mim e contou sua história.
Uma celebração particular, um proteger silente.
Choramos juntas pelos nossos limites.
Um padre passa por nós, seguindo para a igreja.
Um breve aceno. Nenhuma palavra. Como se normal fosse tal cena.
Não o condeno por atravessar almas como se atravessa ruas.
A vida é assim. Quem sabe tudo seja acaso e não haja nada mais a entender?
Às vezes é disso que tento me convencer.
Obs: Imagem (foto) enviada pela autora.