No primeiro domingo, após o seu falecimento, no início da manhã, ao caminhar no  Calçadão da 13 de Julho, a sua figura, passos ligeiros e uniforme, um tanto curvo ultimamente, me veio à mente de modo forte, me fazendo, instintivamente, procurá-lo, em vão. Definitivamente, com o selo da morte, Hildegards não frequentará mais o Calçadão nas manhãs de domingo, nem em qualquer outro dia.

Durante toda a vida, colecionei turmas, a partir do curso primário, na escola de Maria de Branquinha, no curso ginasial, na banda de música, em Itabaiana, e depois, em Aracaju, no clássico do Colégio Estadual de Sergipe, e, em seguida, na Faculdade de Direito, e, por último, nos concursos feitos, sobretudo para a magistratura estadual e federal, e outros grupos que por al tenha esquecido. Em todas, é volumoso o número de baixas, e a saudosa referência aos que, paulatinamente, nos antecedem nos meandros da eternidade.

Hildegards fez parte da turma das caminhadas, sendo sempre o primeiro a chegar, no início das manhãs de domingo, no Calçadão, às vezes, a ele nos incorporando, outras, só nos cordiais cumprimentos, numa parada rápida para uma observação chistosa, e essa presença, pela reiteração em tantos anos, nos aproximou e nos fez integrantes da turma que ali, assim, espontaneamente, nasceu e se formou. Agora, com a sua ausência, a turma se tornou menor, Hildegards fez e faz falta, e eu, – acostumado, muitas vezes, ainda no escuro da madrugada, a vê-lo, sozinho, a palmilhar o Calçadão, como se fosse de sua alçada se transformar na infantaria solitária que saia na frente, até que os demais se apresentassem e lhe rendessem as continências de estilo, – na condição de escriba, faço, comovidamente, o registro.

É certo que a turma referida é pequena, dela integrando eu, Luiz Carlos, Rebelo, Etélio, Anderson, Lula, esporadicamente Marcos Ramos, Joseberto já afastado há muito por motivo de saúde no joelho, além de Ernesto, que desapareceu sem nenhum até logo. E, mais pequena se tornou quando um de seus membros, o que carregava mais janeiros, o que chegava mais cedo  no Calçadão, inicialmente, se afastou compulsoriamente, os espinhos da vida que assim ditaram, como se fosse um anúncio implícito do fim que se aproximava, para, depois, aos poucos, retornar, com os nossos aplausos, no início caminhando ao lado da esposa, após sozinho, como se o vigor de antes tivesse lhe adornado o corpo, até que se tornou de novo ausente, ensejando a busca de informações, e, infelizmente, com o aval da morte, ganhou o rótulo de definitiva e eterna, na triste primazia de ter inaugurado o setor de baixa.

Notório também que a turma, na sua composição referida, se limitava a caminhada no Calçadão da 13 de Julho, nas manhãs de domingo, sem que o destino tivesse aberto nenhuma porta para encontros outros no seu conjunto, cada um vivendo sua vida, suas alegrias e seus problemas, o que não impediu que a sombra da saudade fizesse seu pouso, saudade que se inscreve com o nome de Hildegards, que, madrugador emérito, se viu compelido a ser o primeiro a partir.

Por ora, que seja do meu conhecimento, ninguém quer ser o segundo.  26 de janeiro de 2019.

Obs: Publicado no Correio de Sergipe 
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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