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Interessante como algumas coisas, de repente, vêm à tona em nossa vida e, a partir de um primeiro momento, começam a surgir referências a esse tema por diversos locais onde, antes, nunca haviam surgido. Foi o que aconteceu, essa semana em relação à competição e cooperação.

Em uma reunião em que participei foi proposta uma reflexão sobre “O Esporte” e, mais especificamente, o seu caráter extremamente competitivo.

Temos uma supervalorização do esporte como uma maneira de levar uma vida saudável. E daí a pergunta: Comemorar uma vitória, quando para a alcançarmos, deixamos outras pessoas tristes, por sua derrota, é uma coisa boa? Na verdade, quando se trata de grandes competições mundiais, como olimpíadas por exemplo, a alegria de uma vitória é diretamente proporcional à devastação dos derrotados. Isso é saudável? Incentivar, incentivar o acirramento na busca da vitória no esporte, está contribuindo, positivamente, para a formação como ser humano?

Quando jovens usam drogas para melhorar o desempenho, aumentar a massa muscular ou a resistência, volto a perguntar: é saudável?

Praticar um esporte, um tipo de exercício é saudável, vocês responderão de imediato. Claro que fazer exercícios é saudável para o corpo e para a mente. Mas quando para ser o primeiro o/a atleta destrói tendões e joelhos, sofre dores insuportáveis resultantes de lesões e machucados e é aclamado por suportar a dor e ser campeão ou a campeã, continua saudável? Muitos atletas chegam ao fim de suas carreiras muito cedo, exatamente por, contraditoriamente ao propósito de praticar esporte, seu corpo não aguenta mais continuar. E sabem o que é pior? Que a competitividade acirrada não existe apenas entre times adversários. Ela está presente entre os que estão do mesmo lado, porque todos competem entre si para ser o melhor do time.

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Quando entrei no ginasial – fundamental 2 hoje – o colégio onde estudei, o Eucarístico, estava implantando uma nova metodologia de ensino, que tinha como princípio, exatamente, o trabalho em equipe. Não nos sentávamos em cadeiras em fileiras, nos sentávamos em formação de grupos, formados livremente, de acordo com as identificações entre si, carteiras viradas umas para as outras. E havia muitos trabalhos em grupo, estudos de campo, atividades coletivas, mas não havia um incentivo exagerado à prática de esportes, como em outros colégios, onde os melhores atletas ganhavam bolsas de estudo e, em alguns casos, até passe livre em relação aos estudos, contanto que continuasse a ser o melhor.

Antigamente ainda assistia aos jogos da copa do mundo. Era o momento onde todo o país estava unido e isso era bom. Mas depois com os sinais que foram surgindo de que os resultados nem sempre eram fruto de um jogo pra valer, o sentido de torcer foi pro brejo. E a constatação de que eu me envolvia emocionalmente em vão foi decisiva para nem à copa do mundo assistir mais.

Essa experiência escolar foi definitiva para a minha formação, aliada ao fato de que na minha família, também não havia essa relação estreita com a prática de esportes.

Nunca pratiquei nenhum esporte e nem gosto de acompanhar nada, nem ao vivo e nem pela televisão. Sou uma pessoa na contramão da história, (sempre, aliás) e, estranhamento, não sou competitiva em nenhum setor de minha vida. Sou uma defensora incansável do trabalho em equipe mas, vejo com muita tristeza, que isso está cada vez mais difícil, porque as pessoas têm dificuldade de dividir o seu conhecimento com os colegas. Entretanto não têm a menor dificuldade em apontar os erros dos outros, mesmo que não seja seu concorrente direto.

Vamos falar de ambiente de trabalho: as pessoas que querem subir mais e mais, ganhar salários cada vez mais altos, sempre têm o que chamo de “automarketing” bem acentuado, uma autovalorização extrema, algumas vezes para disfarçar a própria incompetência, sempre se mostrando como a melhor opção e como é insubstituível na empresa. E, muitas dessas pessoas, alimentam a sua imagem exatamente apontando os erros dos colegas aos superiores, quando deveriam, em primeiro lugar, apontar os erros para os próprios colegas, se a sua intenção fosse o melhor para equipe e não apenas para si mesmo. E aí chegamos ao âmago e ao que há de mais negativo na competitividade: o individualismo. A ideia de que eu sou capaz de fazer tudo sozinho e que, muitas vezes, vem acompanhada da paranoia de que cada colega é um inimigo e um obstáculo à ascensão almejada.

Imaginem o mal que esse espírito competitivo vem fazendo aos jovens e adolescentes que se preparam para o vestibular e são estimulados a encara cada colega de classe como um inimigo a ser derrotada na conquista da vaga na universidade?

Esse afastamento de esportes que sempre mantive, talvez se acentue ainda mais a partir dessa reflexão que falei no início, onde nos questionamos se o esporte e sua competitividade exagerada, não teriam um papel fundamental no êxito do capitalismo? Afinal o que alimenta o capitalismo se não essa competitividade para ter cada vez mais, não importando se, para que uns fiquem mais ricos, um número imenso de pessoas fique cada vez mais pobres.

Adoro jogos de tabuleiro. Costumo jogar com minhas filhas e amigos e amigas delas. E, com muita alegria, temos observado que a indústria de entretenimento está investindo em uma nova via: os jogos cooperativos onde, ou todos cooperam para poder vencer ou todos perdem. Nessa linha, entre os jogos de tabuleiro temos o Pandemic, Misterium e o The battle of Hogwarts. Outra linha de entendimento cooperativo são os chamados “escape out” onde um grupo de pessoas fica trancado em uma sala e juntos precisam encontrar as pistas que levará à saída.

E um excelente exemplo de jogo cooperativo é o Role Playing Game ou simplesmente RPG (não confundam com um tipo de fisioterapia), um jogo de fantasia, onde os participantes interpretam seus personagens e, juntos, enfrentam os mais assustadores perigos.

Existem várias maneiras de jogar RPG, porém a mais tradicional é o D&D – Dungeons e Dragons, onde um grupo de raças variadas como elfos, anões, seres humanos, gigantes, ente outras, se une para combater monstros de todo tipo, dragões etc. Mas o RPG também pode ser jogado nos tempos atuais, dependendo do tipo escolhido. Diversão sem competição existe e é muito boa.

Com esse tema na cabeça desde o dia da reunião, me deparo com uma postagem no Facebook com a seguinte frase: “O próximo grande salto evolutivo da humanidade será a descoberta de que cooperar é melhor que competir”. A frase é de um italiano chamado Pietro Ubaldi, nascido em 1886 e falecido em 1972, no Brasil, onde escolheu morar. Filósofo e pensador espiritualista chegou a ser indicado, em 1965, ao prêmio Nobel de literatura, tendo perdido para Jean Paulo Sartre. Ora, se ele faleceu em 1972, há pelo menos umas cinco décadas, essa preocupação já estava presente em suas reflexões.

Se por acaso ainda houvesse alguma pequena dúvida em mim, em relação à competitividade e suas consequências indesejáveis, agora teriam sumido totalmente, quando na reflexão, chegamos à conclusão de que em uma competição, o vencedor não comemora a sua vitória, mas sim a derrota dos outros competidores. Não é legítima uma alegria conseguida através da tristeza dos outros.

Nas atividades cooperativas não há vencedores e derrotados. Ou todos se alegram juntos ou lamentam juntos. Sonho com o dia em que as sementes desse conceito possam ser plantadas nas mentes e corações de um número crescente de seres humanos e, florescendo, restaurem a visão e o discernimento de que juntos sempre seremos mais fortes.

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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