A antiguidade e o rodízio, o rodízio e a antiguidade, entrelaçados com o aval dos eminentes pares, me conduzem a cadeira presidencial desta Corte, exatamente quando já ostento quatro décadas de ativa e produtiva magistratura, em um exemplo perfeito de homenagem que o tempo – senhor da vida e senhor da morte -, me presta, na coroação de toda a trajetória vivida, que, para meu regozijo, ainda apresenta sólida superfície, mesmo que curta, a fim de palmilhar futuro adentro.

Poderia, tão só, ressaltar que a presidência é uma etapa a mais na minha vida de julgador, agora de órgão colegiado, desafio novo que a idade abre oportuno espaço, uma atividade totalmente diferente da que vivi, em décadas anteriores, com passagem pela Direção do Foro de três Seções Judiciárias, Piauí, Alagoas e Sergipe, e, assim, a se constituir, igualmente, em um aprendizado diário, no enfrentamento dos problemas que hão de surgir a reclamar a solução justa e adequada.

Entretanto, há, igualmente, outro detalhe, que, considero necessário destacar, detalhe que se materializa no cordão umbilical que me liga à Justiça Federal, via da qual me considero um seu autêntico filho, ou, cria da casa, levando em conta que, de meio século de servidor público, a completar no mês de setembro do corrente ano, excluídos os períodos de nove meses junto ao então Instituto Nacional de Previdência Social, e de seis anos de Juiz Estadual, só com a camisa da Justiça Federal, vivi o total de quarenta e três anos, dos quais, oito como servidor, vinte e quatro como juiz de primeiro grau, e, já onze como integrante desta Corte.

Nunca uma antiguidade se estendeu em tapete tão extenso, a ponto de misturar minha vida de magistrado com a história da Justiça Federal, principalmente, a sergipana, na qual montei minha tenda de trabalhos na condução da segunda vara, e, da qual, pelo critério de antiguidade, atraquei nesta Corte.

É justamente esse detalhe que confere um toque peculiar, à medida que traz à tona o longevo laço que me ata à Justiça Federal, a se desabrochar nos idos de 1970, iniciado quando descobri a sua modesta e improvisada sede, na Praça Olimpio Campos, no Aracaju, e, vencendo minha natural timidez, dela me aproximei e me fiz íntimo, sendo aprovado em concurso para datilógrafo, transformando-a, aos poucos, na grande escola de minha vida, na descoberta do processo e de seus mecanismos, desde a distribuição e autuação até os seus ulteriores termos, na condução cadenciada de cada ato, participando das audiências como escrevente, comandando o segundo escalão despojado, no início, de qualquer chefia, ganhando, em certo instante, coragem para invadir o espaço que não era meu a fim de arriscar a decisão que achava adequada, que terminou aprovada, fazendo-me assessor quando minha função era de execução, e daí vi minhas asas crescerem, proporcionando-me alçar ao cume da montanha, e nessa caminhada, exaltando toda a minha gratidão, invoco o nome de Geraldo Barreto Sobral, que aprovou minha ousadia, e o de Jackson da Silva Lima, que me fazia raciocinar na busca do passo seguinte, porque não há como rememorar a minha  trajetória na magistratura sem que o nome dos dois, alojados no início de tudo, não receba a exata louvação.

Ademais, há vinte e dois anos que tenho ao meu lado, comigo dividindo a vida, servidora que integrou a 2ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe do meu tempo, hoje na 4ª Vara, Cristiane Santana Gonçalves de Oliveira, esposa, mulher, companheira, amiga, conselheira, encarregada de deletar as gorduras e repetecos de muitos dos meus textos, cuja presença se constitui no meu mais seguro alicerce, incentivo, alegria, felicidade, na permanente caminhada, de mãos dadas, em direção ao dia de amanhã, ao lado de Vladimir e de Pedro, frutos por nós plantados, esperando, ao contrário do soneto de Camões, que, para tão longo amor seja igualmente tão longa a vida.

A Justiça Federal, assim, faz parte integrante de minha vida, ou sou dela um apêndice, no trajo inicial de servidor, e, já, de muito, de juiz de segunda instância, a assinalar a conquista vertical de degrau por degrau, sentindo-me, às vezes, reunir em minha pessoa o trajo de personagem, de testemunha e de aluno. O personagem que viveu o passado dos tempos da distribuição manual, da máquina de datilografia, dos despachos no punho, das audiências de debates registradas em livro específico, das fichas e dos fichários, do traslado manuscrito das sentenças, e, ao começar a se encantar com as máquinas elétricas de datilografia, foi surpreendido com o computador; a testemunha curiosa que assistiu a passagem da era artesanal para a eletrônica, alterando, abruptamente, o monótono cenário então vivido, extinguido, de uma vez por todas, o tic-tac da máquina de datilografia; e, enfim, do aluno, que aprende em todo expediente uma lição nova, ontem, quando datilografava decisões e sentenças, absorvendo o estilo de cada magistrado, com ênfase a leveza do texto do juiz Hércules Quasímodo da Mota Dias; depois, quando juiz, tinha seus julgados apreciados; e, hoje, quando a sua sugestão de voto é examinada e discutida pela turma e pelo pleno.

É com esse traço de profunda intimidade com a Justiça Federal, dela me considerando quase uma peça de museu que deambula, fala, participa, redigi, vota, envelhece e cansa, um dinossauro que se adaptou aos novos tempos, mercê da durabilidade da convivência propalada, que me apresento como novo ocupante da cadeira presidencial desta Corte, a toga marcada pela maratona já percorrida, na tentativa de superar as minhas limitações na condução de um tribunal a deitar jurisdição em seis estados, com varas nas capitais e nas principais cidades do interior, colocando, na frente, o estandarte do tempo, a estampar certa e relativa experiência, mesmo sabendo que esta, sozinha, não é suficiente para indicar caminhos e apontar soluções. De uma forma ou de outra, é a credencial mais valiosa que carrego nos caçuás de minha carreira. O mais é o esforço para superar as deficiências, é a humildade para reconhecer os equívocos, a disposição para enfrentar os desafios, na certeza, como no poema de Vinicius de Moraes, de ter mãos para colher o que foi dado/ dedos para cavar a terra.

No centro de tudo, portanto, a Justiça Federal, rocha grandiosa da qual sou apenas um simples pedregulho, justiça que não tem pejo de revelar a dimensão de seus anos, idade, que, no seu todo, não a qualifica mais de jovem, na catalogação de cinqüenta janeiros de atividades, os cabelos a ganhar o forro do branco, na exibição da experiência que o tempo confere, fazendo crescer a importância da sua presença e do seu papel, saindo, aqui e ali, os juízes federais do anonimato e da solidão de seus gabinetes para as manchetes dos jornais, ante o número de casos que processa e julga, principalmente aqueles de repercussão nacional, e, nesta circunstância, na maioria quase absoluta, marca presença pela segurança e técnica de seus julgados, não se curvando aos poderosos, nem humilhando os humildes, na difícil missão de fazer justiça, quaisquer que sejam as partes, independentemente do currículo que apresentem, das medalhas que carreguem no paletó e do clamor popular, positivo ou negativo, em moda.

Por outro lado, não são os magistrados federais marinheiros de primeira viagem, e, já se acostumaram às intempéries do mar agitado, bem como aprenderam a pescar em águas turvas e profundas, de modo que a responsabilidade de todos aumenta à proporção que se  exige de cada um dos seus juízes a decisão que represente a verdadeira justiça, porque, trazendo à tona a conhecida frase de Victor Hugo, se Deus deu asas as águias para que estas voassem, o destino fez todos juízes para que pudessem decidir.

Todavia, o cenário está longe de tocar na calçada do ideal, ante a certeza dos parcos recursos orçamentários, que se reiteram, incapazes de superar as despesas, não se esquecendo da necessidade de cada subseção ter sede própria, o vazio das cadeiras desocupadas por servidores que se aposentam, entre outros, e, em consequência, há muito chão a se percorrer para conferir à Justiça Federal o grau merecido, amontoado nos projetos de aumento dos tribunais, das turmas e das varas, além do número de servidores, no meio dos sonhos que, permanentemente, nos acalenta, na certeza de que tudo virá no tempo certo, paulatinamente, ainda que com o lento caminhar dos cágados, porque, no fundo do túnel, há sempre uma luz que desponta, há sempre uma esperança que o tempo não mata. O mundo não se fez em um dia, o jequitibá não altera a paisagem de um momento para outro, daí, como o Dom Quixote que resiste aos séculos, a esperança de dias melhores deve povoar os anseios de todos de um Brasil dos nossos sonhos, para que o Poder Judiciário Federal, nas suas duas instâncias, que sofre direta e contundentemente os reflexos da boa ou má política adotada pelos dirigentes do Executivo federal, possa, a cada passo, se manter independente, impondo sua marca de  imparcialidade e de estar, permanentemente, apto ao julgamento de todas as causas incluídas na sua competência, sem o ranço da demora e sem o visgo de camisas partidárias que, por al, estejam em vigor.

Prossigam, assim, a luta diurnal os julgadores de primeiro  e segundo graus, acolitados pelos servidores, que se constituem no alicerce desse mecanismo humano, pelo apoio e assistência que oferece, portanto, juízes e servidores, dupla que sustenta o poder judiciário, voltado, única e somente para um terceiro elemento, o mais importante, traduzido na parte que lhe bate à porta, e, igualmente, da que, no feito, se senta na cadeira reservada ao demandado, todos a espera da palavra que conforte via da sentença proferida.

Enquanto isso, que o vento sopre de modo favorável para que tudo prossiga nos caminhos percorridos pelos eminentes colegas que me antecederam na presidência desta Casa, cujos passos, religiosamente, procurarei seguir, no comando deste Tribunal, na esperança de estar pronto, nos momentos de calmaria, a conduzir a nau por mares tranquilos, e de me encontrar preparado, nos instantes de turbulência, a encarar o céu cinzento, e, de cabeça erguida, levantar o braço forte e o raio matar na mão!, no feliz poema de Tobias Barreto de Menezes.

Muito obrigado a todos pela generosidade da presença (Pronunciado no dia 3 de abril corrente, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Recife 

Obs: Publicado no Correio de Sergipe (13 de abril de 2019).
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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