Estamos atravessando muitas mudanças nos vários âmbitos da vida. A política sofre uma contundente degradação. O respeito pelos direitos básicos à vida, sobretudo dos mais vulneráveis, não entra no princípio elementar do bem comum. Na verdade, vê-se  a garantia dos interesses dos mais fortes. A religião, por sua vez, assiste a uma errônea interpretação dos seus fundamentos, principalmente no que toca a busca profunda por Deus e o amor ao próximo. Veja-se, por exemplo, as críticas de baixo calão nas redes sociais dirigidas aos irmãos e irmãs que se empenham em viver uma fé inserida na concretude cotidiana. Essa atitude de agressão dos assim chamados conservadores pode ser interpretada como um grito de ressentimento: os outros não merecem mais do que nós. Somos nós, os verdadeiros guardiões da fé, que merecemos a melhor parte, tendo em vista que nos mantemos fiéis ao dogma. Mas será que esses nossos irmãos ressentidos interpretam o dogma com honestidade?

Esse tipo de ressentimento nos remete aquela história dos dois filhos da parábola de Lc 15,11-32. O mais jovem, regressando à casa, foi acolhido sem objeções pelo seu pai que faz festa com o reencontro. O filho mais velho, tomado de ressentimento, não admite isso porque se julga verdadeiro merecedor pelo fato de estar sempre com o pai, considera-se o senhor da verdade. Essa história tem seus desdobramentos. O filho mais jovem aprende com as quedas e decepções. Ele cresce com a vida e amadurece à medida que descobre a misericórdia do Pai quando já está afogado la lama dos porcos. Esse filho mais jovem, na verdade, encontra Deus na kénosis da existência, naquelas experiências mais humilhantes e dolorosas. Mas é só assim que amadure a sua fé.

Por outro lado, o filho mais velho age motivado por certezas abstratas. Como não fez a experiência kenótica, sente-se seguro dentro dos seus padrões dogmáticos, nas suas certezas descontextualizadas. Insiste que a ideia é superior à realidade, ou seja, é seguro que são os outros que estão errados, que são estes que devem adequar-se a uma ideia de Deus pré-estabelecida. Possuído por um narcisismo dogmático, escolhe permanecer fechado na casa do pai, distanciando-se da cultura. Para ele, o mundo lá fora é cheio de pecado porque não conhece ainda o pai. Como ele está sempre ao lado do pai, mas separado das relações, plasma uma relação meramente vertical – eu e Deus basta – a qual nutre desconfiança para com o mundo do outro. Esse é o pior dos ressentimentos.

Tudo indica que é também esta a causa das confusões eclesiais que estamos testemunhando hoje. Os  esquecidos, invisíveis, abandonados, irmãos e irmãs que eram olhados por baixo, hoje mais do que nunca, são a motivação de uma nova eclesiologia que se baseia no estilo de Jesus. A acolhida, sem aquela cega racionalização que fecha os olhos às necessidades mais urgentes, é a ponte que nos faz experimentar a festa da misericórdia. Sair para procurar o filho mais jovem é a urgência pastoral por excelência que assume o primeiro lugar no discurso do Papa Francisco e daqueles que se deixam modelar pelas experiências fortes da vida, as quais amadurecem a nossa fé.

É justamente a não aceitação deste programa pastoral, contido em Evangelii Gaudium, que está gerando o ódio no coração do filho mais velho, representado hoje sobretudo por teólogos, adeptos de partidos políticos de extrema direita que se agarram a um discurso nacionalista, nutrindo ódio aos estrangeiros e aos pobres. Esses irmãos ressentidos criam canais no youtube e usam as outras redes sociais para propagar terrorismo com uma hermenêutica equivocada dos documentos do magistério, divulgam notícias descontextualizadas e tentam convencer os internautas que a verdadeira Igreja de Cristo não tem nada a ver com as questões sociais nem com as necessidades urgentes da vida. Enfim, insistem em viver exclusivamente na casa do pai, separados da cultura e da realidade, como o filho mais velho da parábola.

Diante de tanta confusão, a melhor opção é aquela da Misericórdia e do diálogo aberto que curam o nosso ressentimento e aquela presunção diabólica de querermos ser melhores que os outros. Assim, poderemos limpar a nossa alma, nutrindo o nosso coração com os mesmos sentimentos de Jesus e aceitar a festa da misericórdia que o Pai nos oferece cada vez que nos amamos e nos respeitamos.

Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. Atualmente reside em Roma, cursando mestrado em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.   

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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