A maternidade é um fenômeno complexo e de reconhecida morbidade/letalidade para binômio gestante-concepto. No início deste século Serra Leoa ainda tinha uma taxa de mortalidade materna de 2000 para cada 100.000 nascidos vivos (no Afeganistão é de 1470) e poderíamos dizer que, nesses dois países, acontece a morte de uma gestante a cada 50-70 partos. Em relação à mortalidade neonatal ainda encontramos taxas em torno de 50 mortes por mil nascidos vivos, isto é, uma morte a cada 20 nascimentos. Isto significa que, ainda hoje, a precária assistência “permite” a morte de uma mulher e de um infante a cada 50 partos. E não estamos aí incluindo os natimortos nem falando de sequelas (algumas irreversíveis). Atualmente, a imensa maioria dessa mortalidade/morbidade pode ser evitada com intervenções que vão desde aquelas de baixo custo (como o pré-natal) até as sofisticadas cirurgias intraútero realizadas para corrigir malformações incompatíveis com a vida extrauterina ou evitar sequelas no desenvolvimento fetal. Sem dúvida, uma das intervenções mais frequentes e populares é a operação cesariana, cuja incidência não para de crescer em todo o mundo. Infelizmente, a mesma passou a ser atacada, valendo tudo para “demonizá-la”. Em verdade, poucas são as pesquisas que tem o desenho correto (estudo controlado e randomizado, alocando aleatoriamente as gestantes no grupo “parto normal” e no grupo “cesariana”, comparando as variáveis de interesse) e poder estatístico para responder a pergunta: é a cesariana eletiva, realizada na 39ª semana de gestação, em apresentações cefálicas, prejudicial (quer para a mãe quer para o recém-nato) quando comparada com o parto vaginal? Existem autores que afirmam que, pelo menos, não existe maior morbidade e mortalidade na cesárea eletiva quando comparada com o parto vaginal. Algumas contribuições científicas registram até mesmo uma proteção ao assoalho pélvico, principalmente quando se compara a cesárea eletiva com o parto vaginal onde houve uso de instrumentos. Através de revisão da literatura, Hankins et al (2006) encontraram uma importante diminuição de risco de distócia de ombro (que se associa à grave paralisia do plexo braquial), de traumas fetais (principalmente quando comparados com partos vaginais com uso de instrumentos), encefalopatia associada a anóxia (potencial risco para dano cerebral) e morte intrauterina. Apesar de Allen et al (2006) também terem encontrados dados favoráveis a operação cesariana eletiva, é inegável que a cesariana apresenta desvantagens principalmente a medicalização do parto e um maior custo para o sistema de saúde. Mas a afirmação que a avaliação do custo-benefício-malefício da cesárea eletiva é prejudicial ao binômio mãe-feto é, em minha opinião, um equivoco científico. Inclusive, neste momento, com os dados disponíveis na literatura, negar o acesso à cesariana eletiva na rede pública ou privada se constitui num desrespeito à autonomia e o livre arbítrio das mulheres grávidas usuárias do SUS, caracterizando um agravo bioético.

Publicado no jornal Folha de Pernambuco, 13/02/2015, página 10.

Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina, professor da UPE, Coordenador do Programa Ganhe o Mundo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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