Frei Betto 15 de junho de 2019

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O banqueiro David Rockefeller declarou à Newsweek International, em fevereiro de 1999: “Nos últimos anos há uma tendência à democracia e à economia de mercado em muitas partes do mundo. Isso reduziu o papel dos governos, algo favorável aos homens de negócios. (…) Mas a outra face da moeda é que alguém tem que tomar o lugar dos governos, e o business me parece a instituição lógica para fazê-lo.”

A queda do Muro de Berlim, em 1989, marca a rejeição ao estatismo. Em 1979, Hayek, guru do neoliberalismo, já advogava “destronar a política” em nome da “espontaneidade” do mercado: “A política assumiu lugar importante demais, tornou-se muito onerosa e prejudicial, absorvendo muita energia mental e recursos materiais.”

 É o que vem acontecendo mundo afora. Decepcionados com a política e os políticos, os eleitores são convencidos a escolher empresários, na esperança de que governem o país tão bem quanto o fizeram em seus empreendimentos. Na longa lista de empresários alçados a governantes destaco Berlusconi (1994) na Itália; Piñera (2010 e 2018) no Chile; Macri (2015) na Argentina; Trump (2016) nos EUA; e Macron (2017) na França.

Esses homens nutrem a ambição de gerir o Estado como uma empresa familiar, como prometeu Erdogan ao assumir o governo da Turquia. Nessa ótica, as instituições democráticas são desprestigiadas e encaradas como estorvo ao desempenho do presidente-CEO. Este, convencido de seu carisma, adota uma prática “decisionista”, termo criado pelo jurista nazista Carl Schmitt em seu Teologia política (1922) para expressar o modo de tomar decisões com autoridade e determinação, sem se preocupar com as consequências.

Ocorre, portanto, um processo de enfraquecimento do Estado e fortalecimento das corporações empresariais e da instituição fiadora da liberdade do capital sobre os direitos de cidadania, as Forças Armadas. O Estado, agora uma instituição híbrida, é despolitizado, reduzido à função de mero gestor, o que explica a supressão de Filosofia e Sociologia em universidades públicas. E as corporações assumem o papel de novos sujeitos políticos e seus tentáculos se estendem pelas malhas do Estado, como o comprova a Lava Jato, sobretudo nos casos da Petrobras e da Odebrecht, e as bancadas corporativas no Congresso Nacional.

Fenômeno semelhante ocorreu com a modernidade ao desbancar a reforma gregoriana dos séculos XI e XII, quando o Estado-Igreja cedeu lugar às instituições democráticas, ora ameaçadas pela “privatização” do espaço público e dos direitos civis, como atesta a proposta de capitalização na reforma da Previdência. O dever do Estado se desloca para a defesa dos privilégios da elite empresarial e bancária.

No Estado-Igreja, a ideologia predominante era a teologia. No Estado-empresa, a hegemonia cultural é assegurada pela laicidade das empresas-mecenas, como outrora a Petrobras ou a multiplicidade de institutos culturais do sistema S, dos bancos e de outras corporações, como Google, Amazon, Facebook etc.

O advento do Estado-empresa comprova a “revolução passiva” apontada por Gramsci, reformar para preservar ou, nas palavras de outro italiano, Lampedusa, “mudar para que tudo permaneça como está.”

A corporocracia é a face da pós-democracia. E entre as corporações se incluem as Forças Armadas, supostamente despolitizadas. Daí a incômodo do presidente-avatar e do poder Executivo-empresário com a não submissão dos parlamentares e do Judiciário. Na lógica de qualquer empresa, os que resistem às decisões do comando devem ser sumariamente excluídos. O Brasil das corporações acima de tudo e o deus criado à imagem e semelhança deles acima de todos.

 Frente a essa ameaça, o desafio é intensificar a repolitização da política e a desprivatização do Estado. Isso só se dará pelo fortalecimento das instituições democráticas e, sobretudo, dos movimentos sociais, de modo a ampliar os mecanismos de protagonismo popular na esfera do poder.

Obs:Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

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