Um clima de tensão ao interno da comunidade cristã insiste em retomar um modelo eclesial distante da cultura. A principal insatisfação recai sobre o magistério do Papa Francisco, sobretudo nos assuntos de moral contidas em Amoris Laeticia. É importante buscar uma síntese para não sofrermos com a rotineira manipulação dos meios de comunicação.
As questões que, inicialmente, levantamos aqui são: 1) Por que a promoção da acolhida, que busca incluir a todos, incomoda tanto? 2) Tendo em conta que os principais opositores de Francisco são clérigos, por que uma eclesiologia em saída lhes deixa em estado de pânico? Tentemos analisar cada uma das questões.
Sobre a graça da acolhida, o que está em jogo é sempre a alteridade. Durante muito tempo a formação dos candidatos ao sacerdócio foi guiada por uma moral casuística. Para cada pecado, vinha aplicada uma penitência específica. Aos poucos, infelizmente, foi se nutrindo um certo desprezo para com os irmãos (ãs) que não se enquadravam dentro do modelo de perfeição, pois eram vistos como impuros, menos portadores da Graça. Tinha-se a impressão de que deviam carregar o chocalho da lepra, posto por uma moral dualista (pura x impuro). Com certeza, esse tipo de atitude se baseia em rótulos que geram preconceitos, ferindo a fraternidade cristã.
Em certa medida este dualismo metafísico, baseado numa pureza idealista, foi (ou é ainda?) enfatizado nas pregações dos pastores de almas. Basta analisar hoje o discurso sexual de muitos movimentos neo-pentecostais. Aqui o sexo e o corpo são plataformas do diabo. Cria-se um tipo de neurose religiosa, a qual sente a necessidade de incluir estes dois elementos na pregação. É tão forte o impacto deste tipo de pregação que, alguns casais que abraçam o matrimônio católico, durante o ato sexual, precisam cobrir as imagens dos santos e o crucifixo do quarto deles, pois não se sentem à vontade para consumar o amor que sentem um pelo outro através do ato sexual. A consciência do pecado é reduzida apenas ao dado sexual. Os outros mandamentos da lei de Deus são relegados aos esquecimento.
Para corrigir este grave erro, o nosso Papa propõe em primeiro lugar a acolhida. Por meio desta inicia-se um processo de discernimento que ajuda a própria pessoa a obedecer a voz da sua consciência, ou seja, ninguém tem o direito de julgar e condenar ao próximo. A própria pessoa, guiada pela voz de sua consciência, terá um profundo conhecimento de suas ações e será capaz de decidir. É isso que o papa deseja. Acolhida e discernimento são as chaves para o encontro com a Graça libertadora. Os pastores de almas não devem impor nada, nem pôr o dedo na ferida dos outros. Pelo contrário, devem oferecer a unção da misericórdia. É por isso que a acolhida inclusiva que o papa assumiu como uma das prioridades do seu pontificado incomoda a muitos, tendo em vista que esta requer escuta e um longo processo de acompanhamento com os irmãos mais fragilizados. E isso nem sempre parece agradar aos clérigos de escritório.
Entremos na segunda questão que insiste numa eclesiologia de saída. É muito diferente uma pessoa que abraça o estilo missionário (estilo do Evangelho) de uma outra que vive para manter estruturas voltadas apenas para os sacramentos. Não estamos dizendo que a vida sacramental não seja importante. Pelo contrário, a missão se nutre da Palavra e da Eucaristia, fontes inexauríveis da Graça de Deus e presença viva do Ressuscitado em nosso meio. O que insistimos é que uma eclesiologia de saída está sempre em diálogo com o mundo, deixando-se interpelar pelos problemas reais das pessoas, questionando os excesso das pompas e ostentações medievais. É um estilo que busca encontrar-se com as pessoas, que não vive para si mesmo. Através deste modelo de Igreja, o papa não mediu palavras para denunciar os abusos do clericalismo que se trata de uma doença que afeta jovens e idosos irmãos presbíteros que se concebem como seres poderosos, com o direito de usarem o santo sacramento da Ordem para a autorreferencialidade e a promoção da própria imagem. Sede de poder e cargos religiosos, irresponsabilidade no uso dos bens materiais e crescente aumento dos vícios de corte são os sintomas desta terrível doença que o papa pretende curar com a proposta de uma Igreja em saída.
Neste sentido, a nova reforma da cúria romana poderá ser uma oportunidade para retomar o anúncio central de nossa fé: Deus nos amou a todos e mandou o seu Filho para nos salvar. É somente através da evangelização que o mundo conhecerá esta novidade. Por isso, a nova reforma pretende pôr ao centro o anúncio do kerigma, o qual se torna credível através do testemunho e da unidade da comunidade cristã. Mas isso precisa de muita conversão e de uma forma de cristianismo menos imperial e mais profética, tal como os primeiros cristãos experimentaram.
É assim que o nosso papa vive a profecia e, talvez por isso, incomoda aos que vivem presos a uma visão de Igreja com os pés fora da realidade. Vamos também tomar parte na obra da evangelização e remar na barca de Jesus junto ao nosso Papa?
Obs: O autor é religioso da Congregação da Paixão de Jesus Cristo (Passionistas). Natural de Fagundes, Paraíba. Atualmente reside em Roma, cursando mestrado em Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.