[email protected]
domsebastiaoarmandogameleira.com

A Igreja é um povo chamado a ser livre e solidário com a multidão (cf. Mc 6, 34)

 (Este texto é dedicado a todas e cada uma das pessoas que saíram às ruas neste dia 15 de Maio, para proclamar a Liberdade e marchar na direção de uma sociedade democrática, solidária e com dignidade para todas as pessoas, sem medo: “Não há temor no amor, ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, quem teme não chegou à perfeição do amor”- 1Jo 4, 18)

 INTRODUÇÃO

Deus é o Criador de todas as coisas. O universo inteiro tem n’Ele origem, é d’Ele que recebe o ser, vida e energia (Gn 1-2; At 17, 25-28). Todas as coisas acham consistência e suporte nos propósitos de Sua vontade. A criação é sacramento, isto é, sinal e instrumento de manifestação e comunicação de Deus, é o “sacramento originário”. Por isso, dizem as Escrituras que tudo é garantido por Sua Palavra.  E o destinatário da Palavra somos nós, os seres humanos (Hb 1,1-4; Jo 1, 1-19). Assim, o universo é como maravilhoso concerto que nos inclui também como agentes de execução da sinfonia, mas, ao mesmo tempo, é a nós que se destina. Através de todas as coisas, através do conjunto do que é vida em nós e a nossa volta, Deus deseja Se comunicar conosco (cf. Jo 1, 1-18). Como diziam os antigos Pais da Igreja e Lutero, “aos elementos (coisas) se junta a Palavra e faz-se o sacramento”.

Em Jesus de Nazaré, esse propósito da Criação aparece com total clareza (Cl 1, 13-20; Ef 1)). Nele Deus fala da maneira mais nítida e, ao mesmo tempo, é Ele a resposta humana mais fiel ao Mistério transcendente da voz divina que chama o universo a participar de Sua intimidade mediante o amor (cf. Mc 1, 9-13; Jo 1, 1-18; 1Jo 3-4; ). Por isso, dizemos que Jesus é o “sacramento primordial”, “arquetipal”, o mais nítido sinal e o mais eficaz instrumento da comunicação de Deus com a humanidade, antes e depois d’Ele (cf. Jo 1, 1-18; Hb 1).

A partir de Jesus e em Seu seguimento, a Igreja se destina a ser também ela evento sacramental, o “sacramento fundamental”, sinal e instrumento desse inefável mistério de Deus que Se comunica conosco, através da realidade que nos fala a nossa volta e da qual nós mesmos(as) fazemos parte. Somos ao mesmo tempo destinatários(as) e veículos da Palavra, sinais e instrumentos da aliança com Deus e da aliança da humanidade entre si (cf. Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, Prólogo).

Jamais poderemos falar disso adequadamente. Nunca nos será possível definir nem descrever esse maravilhoso dinamismo de amor que dá origem a todas as coisas, as banha como impenetrável oceano sem margens (cf. At 17, 28), e as penetra para conferir-lhes o definitivo sentido. Mas, de qualquer maneira, em que pese a precariedade das palavras humanas, é imprescindível tentar formular nossa identidade. A Igreja, sobretudo na tradição católica, fala de sete ritos que seriam  “sacramentos”, sinais e instrumentos de comunicação da graça de Deus conosco: “sinais visíveis da Graça invisível”. Ora, a Graça é Deus mesmo que Se dá a nós e a sua criação inteira. Como se chegou, então, a falar de “sete” sacramentos? A partir de palavras expressas de Jesus nos evangelhos, estabelecem-se o Batismo e a Eucaristia; em seguida, levando em conta costumes religiosos do Judaísmo e também “ritos de passagem” nas culturas humanas (nascimento, passagem à vida adulta, casamento e morte), alcança-se o número sete que na Bíblia simboliza a perfeição ou a totalidade. Ora, o que são os sacramentos? A Criação, Jesus e a Igreja cristã, são os grandes sinais da presença de Deus conosco, “sinais visíveis da Graça invisível”, isto é, de Deus que se dá gratuitamente. Com o número sete, o que a Tradição quer indicar é que a totalidade (simbologia do número sete) da vida e, particularmente da vida da Igreja, é o Sacramento: por cada rito sacramental a Igreja se realiza e se manifesta, como agente da graça no mundo. Cada um dos sete ritos aponta para a realidade total da vida da Igreja enquanto sinal e instrumento da Graça, símbolo que, não apenas alude, mas contém a Presença invisível de Deus em nós e nas coisas em redor de nós. Por cada rito se “simboliza” um aspecto da vida, como acontece nos gestos humanos, em cada um deles é nossa pessoa inteira que se expressa, no caso é a Igreja inteira que se manifesta.

O QUE A IGREJA NÃO É

 Não é mera associação de pessoas que se reúnem por certos interesses religiosos: ter um local de encontro, cumprir atos devocionais, batizar-se, casar-se e enterrar-se sob as bênçãos de Deus. Não é uma simples corporação de sócios contribuintes, como acontece com os clubes sociais. Não se trata de contribuir com meios materiais com o interesse de receber benefícios e bênçãos espirituais, como propala falsamente a chamada Teologia da Prosperidade. Só existe Igreja quando as pessoas se sentem chamadas por Deus a se juntar e formar a “ecclesía”, isto é, assembleia, comunidade convocada, chamada ou “vocacionada” por Deus.

Todo o povo é “clero“, isto é, porção escolhida, e todos os membros do povo são “leigos“, “laikoi”, quer dizer, membros do “laós” (povo). Não há uma minoria de pessoas “sagradas” e uma massa de gente “profana”. Todos os membros da Igreja somos pessoas consagradas. Cristo é o único “princípio sagrado”, o único “hierarca”, e o único sacerdote, a oferecer-se e interceder pela universalidade do mundo, essa é a mensagem clara da Epístola aos Hebreus. O povo inteiro, redimido por Cristo, é, assim, n’Ele e a partir d’Ele, povo sacerdotal. Por isso, fala-se de “sacerdócio comum”, para dizer que essa é a condição de todos os membros do povo, a dignidade que todos exercem em comum. No Novo Testamento, só Jesus e o povo cristão são denominados “sacerdotes”. Todas as funções são denominadas “ministérios”, isto é, serviços. Ter transformado os ministérios em instrumentos de poder (“sacerdócio hierárquico”) tem sido um dos males mais nocivos à Igreja e a seu testemunho frente ao mundo. É o que o Papa Francisco tem denunciado com força, quando diz que o “clericalismo” é uma das chagas mais terríveis da Igreja, e é chaga já bem antiga. Os escritos do Novo Testamento, quando falam dos ministérios, evitam toda terminologia que possa evocar hierarquia e poder à maneira do mundo.

Cada pessoa é dotada, pela Natureza e pelo Espirito de Deus, de dons e capacidades a serem postos a serviço da recíproca edificação. É assim que, do seio do único povo sacerdotal, brotam os diversos ministérios. É assim que a Igreja inteira, toda ela ministerial, é sacramento de Cristo para a sociedade. Um único dinamismo, o do Espirito, com duas dimensões: a primeira, a edificação do  Corpo de Cristo, que se dá enquanto se forma a comunidade de crentes mediante a adesão à Palavra, pela fé e o batismo e pelo serviço fraterno e a partilha de bens (cf. Mc 9, 33-37; 10, 17-45) a segunda, a  proclamação, o testemunho e o serviço em favor do mundo, que são a maneira de trabalhar “pela transformação dos reinos deste mundo no Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. Prefácio da Festa de Cristo Rei), Sim, a Igreja cristã não tem sentido para si mesma; como porção particular do Povo de Deus, destina-se a ser sinal e instrumento para a revelação e o estabelecimento do Reinado de Deus na sociedade humana.

Todos e cada um dos ministérios se destinam a “amadurecer os santos para o exercício do Ministério” (Ef 4, 12). Não existem ministérios exclusivos, como se na Igreja houvesse fatias de poder e privilégio próprias de certas pessoas ou grupos.  É todo o Corpo da Igreja que é depositário do poder de Cristo e de Seu Espirito. Quem exerce qualquer ministério, não o faz como coisa própria, o faz como sinal, em nome de toda a Igreja, Corpo de Cristo, como representante da Igreja e por isso mesmo de Cristo, cabeça do Corpo; e assim tem como tarefa interpelar e despertar a Igreja toda para o exercício do ministério de Jesus. Não há nenhuma oposição entre ser representante de Cristo e representante da Igreja. A ideia de que alguns “agiriam in persona Christi”, como se fossem representantes diretos de Jesus sem passar pela mediação da Igreja, não passa de uma invenção da vontade de poder, fruto já muito cedo da influência das estruturas do Império sobre a Igreja.  Ninguém é mais responsável, o que pode acontecer é que alguém tenha mais responsabilidades, mais encargos. A qualidade e intensidade da responsabilidade, porém, é a mesma para todas as pessoas, pois se trata sempre de responder e corresponder frente a Deus.

Todo o povo é sacerdote celebrante, participa, a saber, é parte ativa, da diaconia da Liturgia enquanto diuturnamente se oferece a Deus em adoração, ergue ações de graças e intercede pelo mundo inteiro: “Exorto-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto como deve ser(“racional”). E não vos amoldeis (conformeis: tomeis a forma) às estruturas do sistema deste mundo, mas transformai-vos desde o mais profundo de vossos sentimentos e pensamentos, a fim de poderdes discernir  qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12, 1-2). A Liturgia ritual só tem sentido e conteúdo se expressão e alimento da vida de cada dia como serviço do povo a Deus e como símbolo  da graça amorosa de Deus derramada em nossas vidas e nos dons da Criação. Sim, é que a Igreja decerto é um “povo religioso”, mas não é “uma religião”, muito menos ainda uma religião fundada ou instituída por Jesus, pois não devemos esquecer de que Ele até a morte foi membro da religião do povo judeu. É um povo comprometido com Deus pela féa esperança e o amor para, à semelhança de Jesus, restaurar a Sua obra que é o mundo ameaçado pelo pecado. A Liturgia é poema que fala dos gestos de amor contidos em nossa vida de cada dia. Se não for isso, não passará de poema de mal gosto ou até falso.

Todo o povo é sacerdote a celebrar os santos mistérios, não há quem tenha o “poder de celebrar” e quem seja simples objeto da celebração (ou “assistente”). O ministro é um irmão ou uma irmã, alguém tirado do meio do povo sacerdotal para presidir a celebração comunitária. A comunidade concelebra, alguém exerce o ofício de presidir. Um erro que se comete com frequência e que revela brutalmente a imagem, fruto da ideologia que temos na cabeça, é anunciar a entrada de ministros(as) para a presidir a celebração com a frase “vamos ficar de pé para receber o(a) nosso(s) celebrante(s)”. Dois erros estão aí: segundo o Concílio Vaticano II, é toda a assembleia que se reúne e celebra em torno da mesa; e não ficamos de pé para “homenagear o celebrante”, mas para significar que com os(as) ministros(as) nos queremos dirigir à mesa comunitária, pomo-nos de pé para integrar o processional de entrada como se todos(as) fôssemos em direção à mesa comum. (Em comunidades menores ou em dias especiais toda a gente poderia estar fora do recinto e só nesse momento entrar em procissão com cânticos de aclamação). Na tradição monástica fala-se tanto da oração como do trabalho como “servitium” (serviço) ou “opus” (obra, trabalho). Percebe-se que culto (oração) tem tudo a ver com cultivo e com cultura (da terra e do espírito), trabalho é oração e oração é consagração do trabalho, tudo está integrado, tudo é “liturgia”, obra do povo e em favor do povo, tudo é “sacrifício vivo” oferecido em nosso próprio corpo (cf. Rm 12, 1-2). O mosteiro é compreendido como “escola do serviço do Senhor”, espaço de aprendizagem dessa síntese vital.

Todo o povo é mestre (1Jo 2, 27) e participa da diaconia da Palavra e anúncio do Evangelho como caminho de Jesus que se propõe a dialogar com a universalidade dos povos e fermentar a convivência humana. Todo o povo é profeta e pastor (At 2, 17-21), participa da diaconia sócio-política, através da qual testemunhamos a misericórdia de Deus, colaboramos na restauração das pessoas e lutamos para abater estruturas de opressão. Cada pessoa participa a sua maneira, com os dons que Deus lhe concede e exercendo tarefas próprias a serviço do conjunto, mas todas seladas pela mesma dignidade que provém da condição comum de filhos e filhas de Deus. A Igreja é povo em santa assembleia de Deus, não hierarquia, mas comunhão, não pirâmide ou escada, mas círculo comunitário onde todos os dons e ministérios, também o de presidência e supervisão, se articulam de maneira complementar. Quem a inspira é o Espírito e quem lhe dá forma é o único Senhor que se revela em seu meio como “aquele que serve e dá a vida em resgate pela multidão” (Mc 10, 45; cf. 1Cor 12 a 14).

Alguns ministérios, é verdade, são particularmente decisivos para afirmar e garantir a identidade da Igreja. O Apóstolo São Paulo os coloca sempre na cabeça da lista: Apóstolos, Profetas, Mestres, Evangelistas, Pastores (cf. 1 Cor 12, 28; Ef 4, 11). São títulos que designam a liderança ou guias das comunidades. É significativo que não se mencionem “chefes” nem “sacerdotes”… São quem nos convoca para escutar a Palavra e aprender a caminhar imitando a vida de Jesus; para formar comunidade, vivendo em comunhão (comum-união), isto é, como se cada pessoa fosse parte da outra; para assumir em conjunto a condição e a tarefa de Cristo, de restaurar a sociedade de acordo com a vontade de Deus (cf. Mc 3, 13-15). Sim, a fraternidade vivida na comunidade cristã, apesar de todos os seus limites, é para ser um sinal de que o mundo pode ser diferente, o que já deve ser para nós uma experiência real que nos estimule a trabalhar para tornar realidade os ideais do Evangelho: “Que tenham vida e vida em plenitude” (Jo 10, 10). É assim que a Igreja pode ser fermento de transformação na massa do mundo (cf. Mt 13, 33). Estamos na Igreja porque Deus nos chama para ser como o Seu Filho e para que Ele nos envie como Ele mesmo foi enviado: “Assim como o Pai me enviou, Eu vos envio” (Jo 20, 21). Igreja é vocação e missão. Como Jesus, nós também somos profetas e profetisas, gente que anuncia ao mundo as maravilhas das obras de Deus, e denuncia as obras das trevas com a prática de “obras de luz” (cf. Jo 3, 16-21). Como Ele, somos sacerdotes e sacerdotisas, gente consagrada que consagra o mundo a Deus; através de nós deve-se revelar que se derrama sobre todas as coisas a santidade de Deus e se manifesta que tudo é puro e santo, porque saído de Suas mãos criadoras. Como o Messias, somos pastores e pastoras, guias da criação, administradores(as) e mordomos(as) da Casa de Deus, para organizar o mundo de acordo com as leis e ordenações do Seu Reino (cf. 1Pd 2, 4-10).

Para pessoas estranhas ao ambiente eclesial, a palavra “Igreja” geralmente se refere, ou às doutrinas eclesiásticas (“o que a Igreja pensa”), ou aos rituais (símbolos, sacramentos, celebrações), ou às instituições organizacionais (templos, estruturas de poder eclesiástico, mecanismos de controle sócio-religioso ou legal). É muito frequente a Igreja ser identificada com o clero, sobretudo desde o século XI, quando, sob o Papa Gregório VII, o poder eclesiástico se concentrou nas instâncias clericais e, particularmente, no alto clero, tendo em seu topo o Bispo de Roma. Por isso a imagem mais comum para representar a Igreja, infelizmente, é a da escada ou da pirâmide. Escada sugere privilégio, pois há quem esteja em cima e quem em baixo, pirâmide denota opressão, pois o estreito topo se concentra sobre a larga base que o sustém. Na linguagem costumeira, mesmo no âmbito dos discursos teológicos, para falar da Igreja volta continuamente o termo “hierarquia” (princípio ou poder sagrado). Diz-se que é hierárquica, que a hierarquia foi instituída pelo próprio Jesus, que há um sacerdócio comum e um outro, hierárquico, e assim por diante… Conhecidos teólogos católico-romanos, porém, têm denunciado que a Eclesiologia (Teologia da Igreja) quase não tem passado de “hierarcologia”, isto é, discurso sobre o poder eclesiástico, não contemplação do mistério da Igreja.  Essas imagens e essa linguagem nos desviam da estrada certa e nos fazem errar por perigosos desvios e equívocos. Na verdade, o Novo Testamento evita qualquer terminologia que sugira “hierarquia” ou categorias de poder de mando; só Jesus é “hierarca” (poder sagrado) e mesmo assim se fez “servo” (cf. Fl 2, 1-11). Nós não passamos de discípulos(as), ministros(as), servidores(as)…

O QUE A IGREJA É

Que nos dizem as Escrituras a respeito da Igreja?  Antes de tudo, é preciso responder que se trata de um inefável mistério: é a humanidade chamada a tornar-se “comunhão das pessoas” à imagem da comunhão trinitária; em Jesus, o Filho Unigênito, Deus se deu a conhecer como Pai universal (cf. Mt 11, 25-27; 6, 9) e o Espírito foi revelado como o princípio da nova humanidade e da nova criação (cf. Jo 3; 14-16; Rm 8 e Gl 4-6): em nossa comunhão Deus revela Sua “in-habitação” em nós, como se dá na Trindade (cf. Jo 14 e 15).

Diz-nos o Concílio Vaticano II que, para exprimir esse inefável mistério, a Bíblia usa várias imagens que se tornaram clássicas. Somos o TEMPLO DE DEUS ou do Espírito Santo (1Cor 3, 16-17). Essa afirmação se radicaliza quando se diz que cada crente, em sua realidade quotidiana, corporal, é habitado(a) pelo Espírito (ICor 6, 19). Para o Novo Testamento já não há templo ou santuário “construído por mãos humanas” (At 7, 48), já não há pessoas mais sagradas que outras, já não há espaços, tempos ou coisas sagradas, “separadas” de nós. Só Deus é absolutamente santo. E tudo o que existe é obra Sua, tem o toque sagrado de Suas mãos. Por isso, nada é profano, desde que Cristo é Cabeça de todo o universo e “tudo n’Ele subsiste (Cl I, 13-20; Ef 1). O Apóstolo São Paulo nos diz que todas as coisas estão na intensa ”expectativa de participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8, 21). Nós, as pessoas, imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26), é que somos o lugar sagrado de Sua habitação (Mc 15, 38; Jo 2, l3ss; Ap 21, 3-7.22-27). E o mundo todo é Sua casa (cf. At 7, 48-50). A primeira página do Genesis, ao apresentar a criação do mundo, o faz como a constituição de um majestoso templo cósmico, que abrange céu e terra, concluindo-se com a criação do ser humano, homem e mulher, “imagem e semelhança” de Deus.

Em Gn 1, 28-31, o ser humano é abençoado e a seu cuidado é entregue a criação inteira. O verbo, em geral traduzido indevidamente por “dominar” (versículo 28), na verdade, alude às tarefas de pastor, de apascentar, guiar, acompanhar, cuidar de tudo em nome de Deus. É o que se vê no capítulo segundo, versículo 15, ao falar da tarefa do ser humano de “cultivar e guardar” o jardim. Afinal o homem (Adam) é do mesmo barra da terra e a mulher (Eva=Vida) é do mesmo tecido do homem. Há como um casamento (a intimidade maior) entre Adam (terrestre) e Adamah (terra), somos uma só coisa (cf. 1, Gn 1, 26-27), intimidade que se reproduz na relação entre homem e mulher (cf. Gn 2, 23-25). Sabemos que na poesia universal há profunda relação entre a mulher e a terra, entre a mãe e a Mãe-Terra. Isto quer dizer que, estritamente falando, ninguém tem “poder” de abençoar, o que temos é de reconhecer a bênção divina derramada em cada coisa mediante o próprio ato criador (cf. Gn 1, 28-31). Já não é preciso abençoar nada, antes, é preciso “bene dicere”, a expressão latina de que derivam “bendizer” e “bênção”, ou seja, dizer bem de Deus por suas obras, louvá-Lo e glorificá-Lo. O princípio divino criador (cf. Gn 1, 1-2) e “inspirador” se manifesta pela variedade de dons e capacidades, através das quais se imprimem no mundo as marcas de Cristo gravadas em nós (cf. 1Cor 12, 4-11). Isso significa que nossa vida quotidiana, com tudo o que tem de aparentemente profano – ecologia (acatar a lógica da Casa Comum), economia (estabelecer a lei da casa em benefício de todas as criaturas), relações e organizações sociais (de solidariedade e justiça) relações e estruturas políticas (de igualdade e responsabilidade), valores, princípios e normas e estruturas culturais humanizantes, — tudo deve ser, na verdade, perene liturgia sacramental. Nossa vocação é de sermos sinais visíveis, “sacramentos” da presença invisível de Deus em nós, entre nós e por nós, Ele, o Emanuel, Deus-conosco (cf. Is 7, 10-17; Mt 1, 18-25).

Somos a ESPOSA DE CRISTO, pela qual se entrega total e radicalmente (cf. Ef 5, 25-30), o que sugere intimidade amorosa e fecundidade para gerar filhos e filhas e, assim, fazer nascer no mundo a família de Deus (cf. Jo 1, 13; 3, 3). Jesus Messias é o sacramento do Deus esposo de Seu povo (cf. Mc 2, 18-22; Os 2-3). É esse o sentido profundo da narração das Bodas de Cana, o casamento de Deus com Seu povo, realizado através do Messias (cf. Jo 2, 1-12; Ap 21).

A Bíblia vai ainda mais fundo. Nossa relação com Cristo não é apenas de intimidade semelhante à do matrimônio ou ao parentesco por ser Jesus nosso irmão primogênito (cf. Cl 1, 15). É muito mais íntima. Para dizê-lo, apela-se para a imagem do CORPO. Entre nós e o Filho não há só intimidade, mas interna radical solidariedade, à imagem da que existe no interior dos membros de um organismo vivo, onde todas as partes se sentem interdependentes e se articulam por força de um princípio interno que, qual seiva vital, as mantém, alimenta e desenvolve (cf. Jo 15). O Apóstolo São Paulo foi quem explicitou particularmente essa imagem, sobretudo nas cartas 1Coríntios e Romanos: há um só corpo com muitos membros, um único princípio com diversidade de funções. Todas igualmente dignas e necessárias ao funcionamento do conjunto (cf. 1Cor 12, 12-31; Rm 12, 3-8; Ef 4, 1-16). Com Cristo formamos uma única mística realidade. Mistério inaudito: o próprio Filho de Deus é Cabeça e Princípio da humanidade, os seres humanos somos o Corpo do próprio Filho! Por graça, somos parte da Segunda Pessoa do Deus Triuno. Por transbordante amor, Deus decidiu não ser completo sem nós! “Ó abismo da riqueza e da sabedoria de Deus! (cf. Rm 11, 33-36; Ef 1 e Cl 2). Não somos “pan-teístas” (tudo é Deus). A partir da perspectiva da Bíblia, temos de ser, porém, “pan-en-teístas”, a saber, “tudo em Deus”, pois nada escapa a Seu mistério inaudito. Como dizem os místicos, a constituição de cada coisa se enraíza no interior do Mistério que lhes dá origem. Tudo é sagrado. Nada é profano ou desprezível. Muito temos ainda a aprender com nossos povos originários e as grandes correntes espirituais da África e da Ásia, tão sensíveis a perceber que em tudo, na verdade, estamos a tocar em Deus, “pois n’Ele vivemos, nos movemos e existimos, como alguns dos vossos (poetas) aliás, já disseram: Porque somos de Sua raça” ( At 17, 28).

A IGREJA É O POVO DE DEUS

Há, porém uma imagem para representar a Igreja, que percorre toda a Bíblia e é fundamento e suporte para todas as demais, a de Povo de Deus. As histórias bíblicas nos dizem que Deus chama Abraão e Sara para darem início a um povo que deverá ser no mundo testemunha de Seu amor pela humanidade e bênção para todas as nações (cf. Gn 12, 1-3; 15, 1-21). A eleição, porém, não torna esse povo superior aos demais, torna-o, sim, responsável por ser “sinal e instrumento” de salvação universal. Duas são suas marcas características: LIBERDADE e SOLIDARIEDADE. Em torno de Moisés e de Josué, seu sucessor, reúnem-se grupos e tribos dispersas e nasce, em aliança com o Deus único, um único povo. E de que maneira? Nasce de um movimento de libertação, no qual a ruptura com a opressão do Estado tributário e da riqueza dá origem a um modelo alternativo de sociedade. O Deus do Êxodo, chama inapagável da liberdade, potencia a liberdade humana e não permite que se extinga, e levanta homens e mulheres a lutarem infatigavelmente por ela — este, o sentido da imagem da sarça ardente que não se consome (cf. Ex 3, 1-10). A sarça é a imagem da espada de YHWH desembainhada para os combates da libertação (cf. Js 5, 13-15; Gn 3, 23-24; 1Rs 19, 11-12;  Is 66, 14-16; At 2, 3-4). Nos impasses da história, Seu apelo é sempre o mesmo: “Diga ao povo que dê um passo adiante!” (Ex 14, 15; cf Jz 5). Esse passo de ruptura é que abre os caminhos do futuro, para além dos aparentes determinismos da Natureza e dos sistemas sociais estabelecidos.

No episódio do Sinai, a Bíblia dramatiza a instituição do povo como assembleia solidária, reunida ao redor da vontade de Deus, expressa no Dom da Lei (cf. Dt 5; Ex 19-20). Pelas leis se explicitam as condições concretas da liberdade, ou seja, só o compromisso responsável, só a solidariedade coletiva possibilitam manter a liberdade de cada pessoa no seio do povo. Da aliança com o único Deus brota uma aliança fraterna que faz com que o povo tenha como ideal uma sociedade sem opressão, sem senhores nem escravos., como vemos tão claramente em Deuteronômio, nos Profetas e nos escritos do Novo Testamento. O chamado “credo do povo de Deus” é claro sobre isto (cf. Dt 6, 20-25; 26, 1-11; Js 24). Em momentos cruciais, o Povo de Deus é representado como exército sagrado (cf. Mc 6, 40), equipado e pronto para resistir aos poderes das trevas e lutar para que brilhe entre as nações a vitória do Deus que afirma sua realeza e soberania mediante eventos históricos de libertação, como se vê no livro de Juízes e no livro de Isaías. Não se deve estranhar que proclamar o Evangelho seja anunciar essa gloriosa vitória (cf. Mc 1, 1; Is 40, 9-11; 52, 7-12; Ef 6, 10-20), do povo comandado pelo Messias, corno cantamos no Salmo 2 e no Salmo 149.

A profecia bíblica reitera constantemente a mesma mensagem e, com insistência, convida o povo a voltar o olhar para os novos horizontes descortinados por Deus, para a recriação do mundo por obra da decisão humana, da conversão pessoal e da transformação de estruturas sociais (cf. Is 43, 14-21). Pecar é, antes de tudo, demitir-se da própria liberdade, ou pretender negar a liberdade alheia, é submeter-se à opressão ou promover a opressão. É a isso que a Bíblia chama de idolatria. Com Jesus, a missão universal do Povo de Deus se torna ainda mais clara, pois revela-se definitivamente que esse povo se forma a partir de todas as nações (cf. At 2 e 10). Assim se esclarece que o propósito de Deus é comunicar-Se com toda a humanidade, desde a Criação. Por isso, antigos Pais da lgreja, como por exemplo Santo Agostinho, chegaram a dizer que essa já tivera início desde Abel, ou até desde Adão: “Ecclesia ab Adam”. E que a Palavra de Deus que nos convoca está na própria raiz da criação, é luz que clareia a realidade e “ilumina todo ser humano vindo ao mundo” (Jo 1, 9). É verdade que um povo é coletividade organizada, mediante estruturas e funções diversificadas, desde a economia até a religião. Mas todas as pessoas são igualmente membros do povo, cidadãos e cidadãs do Reino, com a mesma dignidade, a mesma responsabilidade e os mesmos direitos fundamentais. Não existe casta ou classe superior, e gente de segunda categoria.

TODO O POVO SE ORDENA AO MINISTÉRIO

Pela fé e o batismo, que nos incorporam a Cristo, adquirimos esse título de cidadania e passamos a integrar a “assembleia de Deus”, “a raça escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido por Deus” (1Pd 2, 1-10). Passamos a constituir a multidão de irmãos e irmãs, filhos e filhas no Filho, sendo Ele o primogênito da família a compartilhar conosco a herança do Pai (cf. G1 3, 16-18.26-29; 1Cor 12, 13; Rm 8, 14-,17).

Todos os dons e serviços, muitos dos quais simplesmente naturais, são postos agora debaixo do santíssimo nome de Jesus, e referidos a Seu Espírito (cf. Ef 4, 1-8). A liderança do conjunto dos ministérios é chamada, em linguagem técnica teológica, de “ministérios ordenados”, em vista da proclamação da Palavra, do exercício da Liturgia e da articulação pastoral da comunhão e da missão. Na tradição católica, privilegiaram-se três formas de liderança: diaconato, presbiterado, episcopado. A massa imensa dos demais ministérios é chamada simplesmente de “ministérios não ordenados” ou simplesmente “instituídos”, pela Igreja, como se os “ordenados” tivessem sido diretamente criados por Jesus, o que, infelizmente, os define de maneira negativa e por isso inadequada e, quiçá, errônea por anacrônica. Tem-se como pressuposto, naturalmente, que o Jesus histórico tenha constituído e organizado a Igreja, o que cada vez mais é menos evidente para a pesquisa contemporânea, como dizia um famoso teólogo francês, Loisy: “Jesus anunciou o Reino e o que veio foi a Igreja”. É que há uma distância clara entre o momento do profeta Jesus, que anuncia o Reinado de Deus e por isso entrega Sua vida, confiando Sua missão ao grupo de discípulos e discípulas, e o momento de surgimento da Igreja como organização progressiva da missão que começa entre os judeus e se espalha aos gentios. Sem dúvida, a semente da Igreja brotara de Jesus, diz respeito a Sua missão essencial, mas as formas concretas foram surgindo progressivamente com seus discípulos e discípulas, e em dependência dos vários contextos onde  iam surgindo as diversas comunidades. É o que percebemos nas narrações dos Atos dos Apóstolos e nas epístolas. As pesquisas atuais identificam marcantes diferenças entre as comunidades e até correntes discordantes: Pedro, e Tiago mais ainda, parecem ser tidos como líderes de corrente mais tradicional e ligada ao Judaísmo; Paulo é o Apóstolo que abre o Evangelho definitivamente às nações gentias; João é “patrono” de Igrejas em redor de Éfeso, em diálogo/conflito com correntes helenistas (docetismo, pregnosticismo, dualismo espiritualista, autoridade mais concentrada…) e organizadas de maneira mais igualitárias.

Quem sabe, uma melhor maneira de falar seja a seguinte: a Igreja é uma totalidade orgânica “ordenada” a exercer o ministério de Cristo e como tal, pela fé e o batismo, se ordena toda ela ao ministério. Alguns ministérios são mais relacionados com a proclamação da Palavra (anúncio ou kérygma, serviço ou diaconia e testemunho ou martyría) e com a presidência da comunidade(comunhão ou koinonía, mystagogía ou iniciação ao mistério de Cristo e liturgia ou leitourgía) e, como tais, se ordenam particularmente a servir e articular a Igreja para que toda ela se sinta, se saiba e se ache, de fato, “ordenada” a exercer o ministério de Cristo (cf. Ef 4, 12). Toda a imensa e variada gama de ministérios é, assim, expressão da única realidade sacramental da Igreja enquanto “sinal e instrumento” da presença viva de Cristo na história humana. Na Igreja não cabem “esquemas” de poder hierárquico, não cabe analogia com poder autoritário, nem “súditos” obedientes e submissos. Só cabem relações comunitárias, de aliança, de corresponsabilidade e de solidariedade, cooperação e subsidiariedade, como dizia a Conferência de Puebla, relações de “comunhão e participação”.

POVO CORRESPONSÁVEL, LIVRE E SOLIDÁRIO

Por isso, não há lugar para clericalismo, nem para um laicato paralisado, dominado e irresponsável, como vemos frequentemente por aí nas Igrejas.  Todos os membros do Povo de Deus somos pessoas enviadas como os setenta e dois discípulos enviados por Jesus às nações (cf. Lc 10, 1ss). Por isso, temos de falar de colegialidade episcopal, de colaboração presbiteral e de corresponsabilidade de todo o povo de Deus, como se comprazia em dizer Dom Helder Camara. Trata-se de um povo chamado a viver e testemunhar a liberdade e a solidariedade, um povo liberto e em aliança fraterna. A Igreja não é “hierarquia”, termo que nunca aparece no Novo Testamento para designar os ministérios. Ao contrário, Igreja é “koinonía” (comunhão), “diaconia” (serviço) e “martyría” (testemunho de amor fraterno e de intrepidez diante dos poderes do mundo).

 Se somos o povo resgatado da escravidão, se somos para Deus “propriedade particular entre todos os povos”, como nos diz Ex 19, 5-6, então, em nossa Igreja local, como parte da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica de Cristo, nossa vocação é a de nos sentir à altura dessa dignidade de “propriedade particular de Deus”, um povo cioso da dignidade de sua excelsa condição;  nos pensar como Igreja toda ministerial, sabendo qual é realmente nossa identidade; não há lugar para clientes, só para membros vivos e responsáveis; um povo lúcido e consciente de sua identidade; nos comportar, em nossas relações, como pessoas realmente chamadas à liberdade e em aliança solidária, um povo fraterno e comunitário;  nos organizar, desde a economia até a liturgia, como um povo que testemunha um sistema alternativo de vida social, de modo que nosso jeito de ser comunidade, por si só, já seja profecia, isto é, crítica do sistema injusto, desigual e opressivo da sociedade e anúncio de que “outro mundo é possível” – somos qualitativamente muito mais que uma determinada religião, na verdade, estamos destinados(as) a ser um povo alternativo na história, é justamente esta a vocação da Igreja.

É claro que qualquer modelo humano sempre será inadequado. Sem dúvida, porém, em nossa época, qualquer forma de liderança monárquica (governo de um só) ou aristocrática (governo de poucos escolhidos, ao pé da letra “governo dos melhores” ou privilegiados) não passaria de aberração na Igreja. Temos de assumir cada vez mais modelos participativos, sinodais (forma, aliás, clássica em algumas tradições eclesiais) assembleares, de comunicação direta e ampla consulta, modelos mais próximos do que chamamos de “democracia orgânica”.

Que maravilha, se a vida na Igreja nos provocar a dizer: Se é possível entre nós, por que não pode ser assim também na sociedade?! Que maravilha, se a intensidade de nossa experiência comunitária, de liberdade e de solidariedade, transbordar naturalmente em irresistível élan de luta politica “para trabalharmos na transformação dos reinos deste mundo no Reino de Nosso Senhor!” (Prefácio da celebração eucarística da Festa de Cristo Rei, prefiro dizer de “Jesus Pastor e Senhor do Universo”. Que maravilha, se outras pessoas ao olharem para nós, para nosso jeito de sentir, de pensar, de nos comportar e de nos organizar, se sentirem atraídas a dizer: “Se o amor é eficaz, a ponto de ser capaz de provocar essa nova maneira de viver, por que não é possível na sociedade toda?!” Quando a Igreja será realmente “ecclesía”, aquela assembleia de cidadania, alternativa ao sistema social vigente, “luz e cidade situada sobre o monte” (Mt 5, 14), tão sonhada por Jesus e, particularmente, pelas comunidades do Novo Testamento (cf. Mc 10, 35-45)? Assembleia que se identificava como alternativa à “ecclesía” das cidades greco-romanas, constituídas só por machos, ricos e de famílias de prestígio. Sempre seremos pessoas imperfeitas e pecadoras, carentes de conversão. Mesmo assim, para Jesus, a Igreja é a assembleia da nova aliança, continuadora da assembleia do povo de Deus, nascida no deserto sob a liderança de Moisés. Para o Apóstolo São Paulo, é a “ecclesía”, isto é, a assembleia popular, “santa assembleia do povo de Deus”, que devia renovar a aliança do povo  com Deus, e substituir a “assembleia” nas cidades greco-romanas, que só abrigavam quem era considerado “cidadão livre”, gente que se sentia superior aos demais: senhores versus escravos e mulheres.

Para sempre seremos pessoas imperfeitas e pecadoras, carentes de conversão, sempre seremos Igreja necessitada de reforma: “Ecclesia sempre reformanda” (Igreja a ser reformada sempre), dizia Lutero, e o papa Francisco, ao lembrar que a Reforma tem muitos aspectos de “dom” para a Igreja, retomou sua proclamação ao afirmar que “reforma” (conversão) tem de ser o estado permanente da Igreja. Nossa incapacidade, porém, não nos pode paralisar, pois a acomodação é só máscara do desespero. Mas nós temos a ousadia da fé. Entre nós reconhecemos a presença do Senhor. Seu Espírito foi derramado em nossos corações (cf. Gl 4, 1-7). Somos filhos e filhas de Deus. Isoladamente nos diminuímos e pouco podemos, mas solidariamente se potencia nossa liberdade. Tudo, porém, depende basicamente do que queremos ser: preferimos ser responsáveis ou irresponsáveis? Aceitamos a condição de objeto na vida, ou queremos ser sujeitos de nossa história? Sentimo-nos filhos e filhas de Deus, compartilhando com Cristo da herança que é a vida, o mundo, ou temos ainda sentimento de escravos e escravas, de menores tutelados(as) e dominados(as) por outrem? (cf. Gl 5). Aceitamos o chamado a ser membros vivos e ativos, participantes do Povo de Deus, ou preferimos comodamente nos demitir da responsabilidade e nos degradar a massa passiva e amorfa? É disso que dependem, em última análise, as relações e a organização na Igreja. É disso que depende a Igreja que queremos ser: o Povo de Deus, ou apenas uma religião a mais que venha legitimar ideologicamente as estruturas e as relações  de opressão e subjugação, abdicando da dignidade de família de Deus, apropriando-se indevidamente da herança bíblica e do nome de Jesus? Que o santíssimo nome de Deus não seja blasfemado entre as nações por nossa causa! Ao contrário, escutemos a palavra de Jesus ao enviar os setenta e dois discípulos para toda cidade e lugar aonde Ele próprio devia ir”! Que tal assumir realmente a tarefa de sal  e fermento neste mundo de tanta treva, podridão e desgosto (cf. Mt 5, 13)?

Obs: O Autor é Bispo Emérito da Diocese Anglicana do Recife
Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB….

Imagem enviada pelo autor

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]