Rejane Menezes 15 de junho de 2019

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Quando se passa dos sessenta a gente começa a ter a estranha sensação de  que talvez esteja ficando invisível.

Gostaria de perguntar aos companheiros de idade se também, algumas vezes, se sentem assim. Ou até várias vezes.

Já faz muito tempo que venho observando isso: são filhos, filhas, netos e netas que tratam pais e avós como se fossem peças de museu encalhadas. Digo encalhadas porque já vi peças de museu que estão em exposição muito mais respeitadas e reverenciadas do que alguns pais e avós.

Ao longo do tempo muitos foram os textos escritos sobre essa inutilidade forçada que os mais jovens vão impondo aos mais velhos. Como são comuns as interrupções quando um idoso fala, ou reclamações do tipo que todo mundo já sabe da história ou que ele não sabe de nada, não entendeu nada etc. Observei muito isso dentro da minha própria família, em relação aos nossos idosos.

E isso sempre me inquieta. Sobretudo quando um idoso é tratado com impaciência ou grosseria. Vi idosos serem repreendidos por familiares por misturar as histórias que viu na TV, como se fosse culpa deles se sua cabeça já não funciona como antes e as coisas se confundem no caminho entre o cérebro e a boca.

Vi idosos levarem grito por nada, serem repreendidos indevidamente, serem tratados como inúteis.

Mas fora a impaciência e a grosseria tenho observado algo também muito preocupante: essa invisibilidade. Parece que com o tempo, à medida que envelhece, a pessoa vai sendo apagada do convívio, até sua presença não ser mais notada no ambiente. Vai ver que é para que quando a pessoa se for definitivamente, a saudade já nem doa mais.

E essa invisibilidade pode ser observada em coisas muito simples como quando você vai fazer alguma coisa e as pessoas duvidam de sua capacidade e sugerem que você peça dicas aos filhos.

Quem já não passou por situações em que os mais jovens passam à sua frente para fazer tarefas que são suas, não por delicadeza para ajudar, mas por pressa, impaciência ou por dúvida em sua capacidade de executar as tarefas?

Como trabalho com mídias sociais, mexo com imagens, edição de livros, áudio e vídeo e afins, já passei por situações que me chatearam tanto que, às vezes, ficou até difícil virar a página e esquecer. Tecnologia e idade mais velha não combinam?

Jovens, queridos, amados, necessários, envelhecer não é doença, é privilégio. Vejam bem, jovem todos nós já fomos. Mas vocês conseguirão chegar à terceira idade ou seja lá o nome que tenha atualmente?

Como tenho filhas, marido, amigos e amigas e gosto muito de conversar (sim sou daquelas que adoram falar e não vejo nenhum mal em pessoas que falam muito), nem sempre lembro para quem já contei uma história. Por isso já passei por situações muito constrangedoras em que percebi a impaciência no semblante da pessoa com quem estava conversando. É humilhante alguém lhe interromper e dizer que você já contou isso. Já tive vontade de sair correndo muitas vezes quando isso aconteceu comigo. Agora o que custa a alguém ouvir uma história de novo? Faço isso com frequência. E meus caros jovens tenho uma coisa a revelar a vocês: jovens também podem ser repetitivos e bem mais cansativos que nós, os velhos. Já se deram conta disso. Conheço pessoas que sempre contam a mesma história, seguidamente, pelo menos umas três vezes. Mas se é jovem pode. Se é mais velho, não. Se é jovem é o jeito da pessoa. Se é mais velho é caduquice.

 Nos tempos de Brasil mal-humorado, onde a intolerância e a intransigência estão cada vez mais acentuadas, sobra para nós, idosos, terceira idade, boa idade, como queiram, sermos alvos dessa falta de solidariedade que está se espalhando país afora.

Tenho amigas bem mais velhas do que eu que me contam suas histórias uma dezena de vezes e, todas as vezes, eu escuto pacientemente, morrendo de medo que elas percebam que já me contaram e fiquem com vergonha, com aquela vergonha que fico, quando os mais jovens me fazem sentir um zero à esquerda ou, apenas o nada.

Assisti uma vez a uma entrevista de Cora Coralina onde ela dizia que as pessoas idosas devem conviver com outras pessoas idosas, para que encontre seus pares, que fique mais à vontade.

Não concordei com ela naquela época e não concordo agora. Todas as idades têm que conviver sempre com todas as idades. A beleza da vida está nessa troca de experiencias. Os mais velhos com a sua sabedoria adquirida pela vida e os mais novos renovando as experiências e nos fazendo redescobrir o mundo por outros primas e até outras tecnologias.

Não sou apegada ao passado. Não fico me lastimando e dizendo “ah! Bons tempos”. Não. Tempo bom tem que ser o de agora, porque é o que estamos vivendo e tendo a oportunidade de melhorar. O passado já foi. Não tem volta. O futuro estar por vir e como será depende do que for feito no hoje. Por acreditar nisso sempre olhei para frente, experimentando o novo e procurando aprimorar as minhas experiências. Amo a tecnologia. Sou fã incondicional de Alan Turing, que nos deixou como legado a maravilha dos computadores. Se pudesse daria um forte abraço de agradecimento em quem pensou e implementou a internet.

Só leio notícias online (não suporto jornal impresso), adoro livros em papel, mas acho os e-books maravilhosos e práticos, sou mãe e avó digital (viva o Skype) e meu trabalho depende totalmente do computador. Sou exceção? Claro que não. O problema é que tem muita gente que não entende que o nosso tempo ainda não passou. Porque o nosso tempo será sempre o HOJE.

Meus caros e queridos jovens não roubem de nós, os que já passaram dos sessenta, o direito, a alegria e o prazer de poder desfrutar de todas as maravilhas do século XXI. Não nos tolham, não nos inibam, relaxem e aproveitem dessa concessão que a vida está tendo com vocês de poderem absorver conhecimento diretamente da fonte, como originalmente o conhecimento foi transmitido e chegou até os dias de hoje.

O mundo é feito de diversidade de raças, cores, gêneros, religiões e idades. Enquanto a competição falar mais alto e as pessoas mais velhas forem sendo desprezadas em sua experiência e conhecimentos, enquanto a cooperação não se tornar o mais importante, sinto muito dizer, mas os futuros idosos estarão ainda mais condenados ao ostracismo que os de hoje.

Finalizo com uma história que minha mãe me contava: um homem tinha um filho, de uns dez anos. Todas as poucas vezes que o pai dele ia visitá-los, ele preparava uma rede na garagem para o pai e levava um par de chinelos velhos para que ele usasse enquanto estivesse lá. Nunca o velho senhor foi convidado a dormir dentro de casa com a família. Quando o velho faleceu o homem foi procurar os chinelos e a rede para jogar fora e não achou. Quando perguntou ao filho se havia visto ele respondeu que sim. “E onde está”, perguntou o homem? Ao que o filho respondeu: “Eu guardei”. “Por que”, perguntou o homem. “Para quando eu crescer e o senhor for me visitar”.

É assim que funciona. O exemplo é o que fica. Meu querido jovem, minha querida jovem, onde você vai querer dormir quando for visitar seus filhos e filhas? Pensem nisso.

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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