Dizem que os vinhos começaram a ser produzidos há mais de 8000 anos e que sua fabricação se disseminou pelo mundo durante o império romano. Como diria Ariano Suassuna, através de seu personagem Chicó, “eu não sei como foi, mas só sei que foi assim”: para mim os vinhos “passearam” por aí, para ganhar experiência e evoluir, aportando finalmente naquele que seria seu destino seguro e lugar de seu clímax, isto é, o semiárido nordestino, particularmente o de Pernambuco, valendo lembrar que a região do São Francisco baiano já foi Pernambuco (e, pelo menos no nosso coração, sempre será). Exagero bairrista? Não temos culpa de termos a bandeira mais bonita, o hino mais lindo, as melhores praias do planeta, um castelo medieval que hospeda o melhor museu da América Latina e o melhor carnaval do mundo. Nem de termos ficado independente de Portugal e nos tornado uma república bem antes de 1822 e 1889 e de sermos o berço da C&T&I da América Latina, pois o primeiro livro científico das Américas foi escrito aqui (Historia Naturalis Brasiliae) e o primeiro observatório astronômico foi construído em Recife. Além de sediarmos o maior e melhor parque tecnológico urbano e aberto do Brasil, o Porto Digital, não esquecendo que Pernambuco foi também o berço da nacionalidade brasileira, onde índios, brancos e negros se juntaram para derrotar os Holandeses, dando origem ao futuro exército brasileiro e mostrando o valor de nossa mestiçagem (por aqui não existe o tal “complexo de vira-lata”). Ah, e para quem não sabe, fomos nós, o povo mais multicultural do planeta, que “fundamos” a cidade de Nova York. Então, vocês realmente acham que foi coincidência que a partir da 6ª década do século passado as uvas “tenham resolvido voltar” para Pernambuco (sim, os holandeses já produziram vinho por aqui no século XVI)? Claro que não. Apenas a “filha” pródiga retornou para o melhor “terroir”, aquele que une muito sol, água do velho Chico e um dos solos mais antigos do planeta, combinação essa que, em 2017, permitiu a produção de 8 milhões de litros, correspondendo a 15% do mercado interno nacional, tornando o Vale do São Francisco a segunda maior região produtora de vinhos. Poderia falar do espumante Rio Sol Brut Rosé, ou do Miolo Terra Nova Moscatel, ou dos tintos Paralelo 8 Premium, Rio Sol Winemakers e Testardi Miolo que são excelente vinhos. Mas não é que no frio de Serra Negra (que faz frio pra valer e fica boa parte do ano dentro das nuvens) tive a oportunidade de degustar um VSB (Vinum Sancti Benedictus), um belo “assemblage” de Shiraz, Touriga Nacional e Tannat, que começou a ser comercializado este ano? Com a participação da Embrapa (nós temos um débito de gratidão com essa instituição pública de excelência na pesquisa agropecuária) e do Instituto Federal do Sertão Pernambucano, um grupo de empreendedores (claro, com pernambucanos envolvidos) desenvolveram mais um vinho tinto de qualidade e merecedor de ser degustado. Enfim, só gostaria de testemunhar que, “queiram ou não queiram os juízes” (com diz o hino do bloco carnavalesco Madeira do Rosarinho), o nosso sertão finalmente virou mar. Mas foi de bons vinhos. E, “parafraseando” Chico Buarque, afirmo que “esta terra cumpriu seu ideal e produziu mais um belo vinho tropical”, o Vinum Sancti Benedictus. Um caloroso e orgulhoso brinde aoVSB!

Publicado no jornal Diário de Pernambuco, 09-8-2018, página 1.2

Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina, professor da UPE, Coordenador do Programa Ganhe o Mundo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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