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Nada de pensar que penso ser Lula inocente. Inocente, já disse alguém, ninguém o é. O culto ao líder maior do PT no Brasil e que já contagiou pessoas comuns e personalidades de todo o mundo, deve-se a dois fatores: sua origem nordestina que pode ser traduzida na mais autêntica origem de um brasileiro, e a nossa educação católica apostólica romana. Sim, sangue português corre em nossas veias. E por ele encarnar o mito de Dom Sebastião, o rei português que morreu em 1578, aos 24 anos de idade, quando se lançou com seus soldados em uma aventura guerreira no Marrocos, na esperança de converter os mouros em cristãos. E desapareceu na famosa batalha de Alcácer Quibir, quando o exército português quase foi dizimado pelas forças inimigas. E como o seu corpo jamais foi encontrado, lendas foram criadas, todas alimentando o sonho de que um dia ele retornaria à sua terra para libertá-la do domínio espanhol, restaurando o império português. Outro alguém já disse que miséria e catolicismo só poderia resultar em besteira. Lacrou?

Pra desentecer esse acordoamento que resultou(?) em uma possível ordem de prisão de Lula, precisamos voltar no tempo. Na monocultura capitalista que arrasou as terras produtivas nordestinas com o plantio de açúcar entre os séculos XVI e XVIII. Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, já alertara sobre isso no seu clássico livro As veias abertas da América Latina. Vejamos: “…O açúcar arrasou o nordeste. A faixa úmida do litoral, bem regada por chuvas, tinha um solo de grande fertilidade, muito rico em húmus e sais minerais, coberto por matas tropicais converteu-se, como diz Josué de Castro, em região de savanas. Naturalmente nascida para produzir alimentos, passou a ser uma região de fome”. Savana, pode se traduzir como cerrado, mas ao final, como deserto mesmo. E Josué de Castro (1908-1973), para quem não sabe, foi um influente médico brasileiro, que se tornou nutrólogo, professor, geógrafo, cientista social, político, escritor e ativista do combate à fome. Não à toa, sua principal obra e que causou polêmica quando foi lançada, é o livro Geografia da Fome, de 1952, já publicado em 25 países. E aqui se explica o êxodo rural nordestino. E o início da trajetória de Lula.

Luis Inácio da Silva, nordestino que migrou com a família para o sudeste do país, atrás de uma vida melhor. Iniciou sua trajetória profissional na região industrial do ABC paulista. Começou sua carreira política fundando o Partido dos Trabalhadores em 1980, junto com outros expoentes do movimento operário, principalmente metalúrgico. Lula, ex-metalúrgico e ex-sindicalista, foi eleito presidente do Brasil em 2002. Era a sua quarta candidatura à presidência, após fracassar nas eleições de 1990, 1994 e 1998. E só subiu no poder federal quando fez o pacto com o PMDB de Sarney. Se não o tivesse feito, não chegaria ao cargo de presidente. Ele é tão inocente quanto todos os outros de todos os partidos.

Agora, vamos para a parte das teorias da conspiração. Tema que geralmente desperta a curiosidade de muita gente. Diz-se que, em países como o Brasil, terceiro-mundistas, há uma elite oculta que domina o destino do país. Para isso, apontam e financiam carreiras políticas para que seus interesses continuem acima de tudo e de todos, ou seja, miséria e exploração da mão-de-obra sobre o povo – a massa que os sustenta com o trabalho e os pagamentos de impostos – de um lado e, do outro, a bonança toda para eles, já que as leis geralmente os beneficiam. Inclusive, essa questão de ser de direita ou de esquerda também foi criada por eles a fim de manter uma aparente e constante tensão entre os políticos, com o objetivo de, é claro, também atender o anseio da população. Para que a massa tenha a ilusão de estar participando dos destinos do país. Tanto é, que hoje os grandes cientistas políticos já deitaram por terra esses conceitos situacionistas. Não se iluda, na história humana,
só existem duas classes: dominados e dominadores.

O que parece acontecer aqui é que, com o passar dos anos, os políticos, por eles alavancados, foram crescendo os olhos – e o poder financeiro – e começaram a se rebelar contra essa elite. Veja que essa é uma palavra cativa do dicionário lulês. Para entendimento e melhor situamento, não há corrupção apenas de um lado, ou seja, uma pessoa, um poder só, não pode fazê-la. Ela ou ele necessitam de outras pessoas ou outros entes para tal fim. E isso explica porque a Justiça acabou chegando em peixes grandes do corporativismo empreendedor nacional nesses últimos anos.

Agora, chegamos no nosso Dom Sebastião tupiniquim. Lula, não se pode negar, encanta e seduz, principalmente para quem já o viu em sua densa, inteligente, perspicaz e, ao mesmo tempo, simples, oratória nos seus discursos. Eu, tive essa experiência. Vi-o e escutei-o em um comício em 1994 em Gurupi, Tocantins. Tenho um afilhado que guarda uma foto desse momento em que este, criança, estava no colo de Lula, para comprovar.

Volto a dizer que não acho que ele seja inocente. Mas vale lembrar também que foi apenas em seu governo que a pobreza diminuiu – como nunca antes nesse país, como só ele gosta de falar – de pretos, pobres, índios, quilombolas, mulheres e favelados terem obtidos conquistas sociais. Vide programas como o Minha Casa, Minha Vida, que minou a selvagem exploração imobiliária nos quatros cantos do país, a implantação do Sistema Nacional de Cultura, que resgatou e alavancou artistas e movimentos culturais em tudo quanto é canto, entre outras ações que projetaram o Brasil no cenário mundial. Junte-se a esse carisma, a atitude. Há fotos de Lula em várias partes do país em poses que jamais foram (e serão) copiadas pelos nossos velhos políticos de carteirinha. Pixels gravados de empatia, confortamento, aceitação e pertencimento, coisinhas geralmente negadas pelos poderosos, mas que geralmente são fontes de carência nesse povo brasiliano, e que só um nordestino, sofrido e lutador, pode perceber e participar.

Com relação à sua condenação, cito aqui – para que não nos esqueçamos – que ela foi célere, pra dizer o mínimo, enquanto personas como Maluf, Calheiros, Temer, Jucá, Aécio, Sarney, dentre outras, continuam comendo caviar, mesmo com tantas denúncias e processos contra suas gestões.

Então, o Brasil encontra-se diante de um dilema: se não prender Lula deixará claro que o a Justiça só existe como, quando e da forma que eles, os mandatários do país, querem. Como sempre foi, ou seja, um sábio já disse que o mais corrupto dos estados tem o maior número de leis. E não é o que vemos por aqui? Resultado: só tem acesso à Justiça quem tem poder. Por outro lado, se o prenderem, verão um simples nordestino transformar-se de vez num Dom Sebastião do Século XXI. Porque toda a imprensa, líderes e personalidades famosas mundiais gritarão em uníssono contra tamanho descalabro. E ninguém, muito menos o Brasil, irá dormir com um barulho desses. O mito Lula está apenas começando.

Obs: O autor é Jornalista e Gestor Cultural

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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