Eu interrogava a mulher, sem conseguir obter nenhuma palavra de explicação atinente ao fato principal, ou seja, ter figurado como viúva de um lavrador no município do seu distante, sem nunca ter sido casada, muito menos ter ido, sequer, ao dito município. A denúncia a colocava como ré ao lado de outro réu, que, naquele exato momento, respondia, nessa posição, por diversos e diversos delitos de estelionato previdenciário. Ela era servente de hospital.
No meio do interrogatório, percebi cuidar-se de uma mulher bonita, forte e maltratada pela vida. Tivesse um banho de loja, digamos assim, não passaria por servente de hospital. Mas, a negativa de nada saber sobre a origem do indevido benefício de pensão de uma viuvez que não existia, ao lado de documentos falsos, me intrigava. O réu-varão já me era conhecido. Segundo ela, ele lhe perguntou quanto ganhava, disse que ia ajudá-la e lhe trouxe uns papéis para assinar. Durante algum tempo, recebeu o benefício, em quantia um pouco superior ao salário mínimo.
Me arrisquei a enveredar por um caminho que ia lhe ofender, por certo. Pedi desculpas a acusada, pela pergunta que ia formular. Então, me arrisquei: a senhora foi namorada do outro acusado? A acusada mudou o tom de voz. Não gostou da pergunta. A resposta, contudo, me deixou de boca aberta: namorada, dele, nunca. Apenas foi para a cama com ele uma única vez. Só. Nada mais. Em troca do benefício, cedeu-lhe o corpo. Besteira.
Mais intrigado fiquei. O ter feito sexo, uma vez, com o outro acusado. era o motivo do benefício rural obtido. Mas, namorar o outro réu, nunca, como se, afinal, ter ido para a cama pesasse menos que ter sido namorada. Não entendi o peso diferente que ela dava para uma coisa e outra. A verdade, agora revelada, é que o acusado-varão usava de sua condição de representante da Previdência Social na sua cidade para obter favores sexuais concedendo, fraudulentamente, benefício de pensão rural a quem não era trabalhadora rural, nem viúva de lavrador. Quando o acusado-varão adentrou a sala, para continuação da audiência, dei-lhe, efusivamente, parabéns. Não houve manifestação de sua parte, a não ser o olhar desconfiado que me lançou. Eu entendi o olhar, como ele entendeu os parabéns recebidos. Um benefício de aposentadoria por viuvez era concedido para se obter favores sexuais. Um novo tipo de estelionato se inaugurava. (24 de janeiro de 2018)
Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras