Do seu pequeno apartamento alugado na periferia de um centro urbano olhou pela janela o nível do alagamento da rua. Já era inverno e com ele a lembrança de como gostaria de ver a chuva cair. Na sua lembrança estava aquele dia em que encontrou na mesa da cozinha um ramalhete com pequenas flores lilás em meio à folhas de açucena. O perfume orvalhado enchia o ambiente de tranquilidade que só parecia existir em casas que cultivassem jardins. Olhou para fora e viu o jardim e sua variedade de roseiras, pingos de ouro, tambá-tajás, diversas ervas, tudo harmonicamente viscejando na terra fértil. Sob o seu olhar observador, na casa, tudo era perfeitamente organizado. Não só as louças na cristaleira mas as canecas de esmalte arrumadas num pendurador de parede. A toalha branca com detalhes verde nas bordas cobria a mesa da sala de jantar como se vestisse aquele móvel a ponto do caimento do tecido revelar os contornos e silhueta do conjunto maciço da madeira montado em formato oval. O jardim ligava-se à varanda da casa por pastilhas de tronco de árvores colocadas no chão e por essa trilha foi observar melhor a moita vegetal por onde pousavam borboletas coloridas que subiam e desciam em voos coletivos. Esperanças e gafanhotos também se movimentavam em meio àquela profusão de vida perceptível após a chuva de verão, sob o som agitado de bem-te-vis que cantavam parecendo dizer que após a chuva vem a bonança. Da mais alta árvore do lugar os urubus também espalhavam e alongavam suas asas ao secador natural. Tudo tão perfeito. A luz do sol, após a chuva, tornava mais alva a madeira de que era feita a casa. E assim, tomada de desejo projetou uma casa que teria no futuro, desenhando no chão o sonho que as chuvas levaram e que, a cada novo brilho do sol, reaparecia com a singeleza de um ramalhete de flores lilás.