Os meus parcos conhecimentos de psicologia já me inspiraram o desejo de escrever um livro só focando tipos excêntricos encontrados nas calçadas da vida. Um deles, encarnando o grupo de autoelogio, seguidores de Erasmo de Roterdan: Não há quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo. Para esse, abro espaço bem especial. Dos que se dedicam a sua especialidade, é o melhor … do mundo! É o que proclama. Os colegas, do sul do país, por exemplo, estão a sua espera para apreciar a nova técnica, por ele inventada, que vai facilitar seu trabalho e de todos de sua profissão. Um marco na história. Poderá até ser notícia no Jornal Nacional.

Além de ser o melhor na sua profissão, alardeia que, como cliente de um banco, marca seus depósitos pela linha da importância. Ou seja, quando na agência bancária aparece, ou é atendido logo, imediatamente, ou acaba com o banco, sacando todo o seu depósito. Dinheiro? Besteira. Ninguém o tem mais do que ele. Uma propriedade rural sua, de não sei quanto hectares, já foi objeto de valiosas propostas de compra. Ai, ele faz uma muganga, perguntando ao interlocutor o que significa trinta milhões para ele. Nada. Não vende.

Já tive o prazer e o desprazer de ouvi-lo várias vezes, por contingências especiais, das quais não pude driblar. Prazer, porque, para um simples mortal como eu, ouvi-lo é uma dádiva dos céus. Desprazer, porque não há diálogo onde só um fala. É o que ocorre. Ele, deu que desceu de algum Olimpo, para regozijo de todos nós, pobres mortais, discursa, se eleva, se engrandece, maior entre os pares, num processo de exaltação a si mesmo que não encontro personagem igual em nenhum romance que já tenha lido. Eu ouço.

É o único papel que me cabe, porque não adianta abrir aboca e pedir um aparte. Minha tarefa é de analisar, gabolice por gabolice, e enquanto ele fala, vou formando o diagnóstico de sua superioridade ser apenas um traço ululante de um profundo complexo de inferioridade. O porco, que conserva o rabo, não quer se lembrar de ter sido, um dia, lá atrás, bem longo, simples bacorinho. A magistratura me deu paciência para saber ouvir. A admiração por Freud faz com que enxergue melhor no rosto as rugas e reentrâncias de quem fala. É o que faço ante a peroração desses deuses sem asas. (28 de março de 2017.)

Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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