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A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 06/2019) para reformar a Previdência e a Assistência Social foi apresentada pelo governo federal ao Congresso Nacional e à sociedade no dia 20 de fevereiro deste ano. Tem mais de 60 artigos que alteram o texto da Constituição de 1988, pois suprime, modifica ou inclui novas leis.

 Segundo o governo, as medidas propostas têm por objetivo reequilibrar receitas e despesas públicas, garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário e promover o crescimento econômico. Entretanto, análise detalhada da PEC revela a intenção de modificar completamente os fundamentos da Seguridade Social inscritos na Constituição de 1988. Segundo o Dieese, as mudanças ameaçam substituir os princípios de solidariedade, universalidade e provimento público de proteção social, que hoje alicerçam o sistema, por princípios baseados no individualismo, na focalização das políticas públicas e na privatização da Previdência.

A Seguridade Social é um conjunto de ações destinadas a assegurar a cidadãos e cidadãs brasileiros direitos à saúde, assistência e previdência, conforme prevê o artigo 194 da Constituição. Conta com várias fontes de financiamento, definidas no artigo 195. Tais direitos devem ser assegurados pelo Estado a assalariados urbanos e rurais, trabalhadores autônomos na condição de segurados facultativos, trabalhadores da agricultura familiar, microempreendedores individuais e donas de casa, além de servidores públicos de mais de 3.400 municípios que não instituíram regimes próprios de previdência.

O Anuário Estatístico da Previdência Social de 2017 registrou aproximadamente 60 milhões de pessoas protegidas pela Previdência, e 23,1 milhões de desprotegidas entre os trabalhadores com idades de 16 a 59 anos.

 Como bancar a proteção desses 60 milhões? A Constituição definiu as fontes dos recursos. Além de cada trabalhador descontar do salário sua contribuição à Previdência, há os recursos da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), da Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL), do PIS-Pasep e das loterias, além de recursos orçamentários do Estado.

Entre 2000 e 2015, esse sistema se mostrou superavitário, ou seja, recebeu mais dinheiro do que gastou. Em 2009, por exemplo, as receitas das fontes da Seguridade Social superaram as despesas em R$ 34 bilhões; e em 2012, em R$ 83,9 bilhões. Mesmo em 2015, quando se iniciou a recessão no Brasil, esse resultado foi positivo, correspondeu a R$ 13,4 bilhões.

Nos dois anos seguintes, porém, registraram-se resultados negativos. Em 2016 o rombo foi de R$ 54,5 bilhões, e em 2017, de 56,9 bilhões. No entanto, em 2017 as renúncias fiscais – dinheiro que o governo abriu mão de receber – foram estimadas em R$ 141 bilhões!

A PEC 06/2019 determina que será implantado, como alternativa, um regime previdenciário de capitalização em contas individuais. Embora as regras de funcionamento desse novo regime sejam desconhecidas, algumas diretrizes são indicadas: a obrigatoriedade para quem aderir; a contribuição definida – em que o valor dos benefícios varia conforme as contribuições; e o rendimento da aplicação dos recursos em conta. O novo sistema garantiria um piso básico equivalente a um salário mínimo e seria financiado por fundo solidário gerido por entidades públicas ou privadas de livre escolha do trabalhador, com a possibilidade de contribuições do empregador e do empregado, ou do ente público e do servidor, sem aporte de recursos públicos.

Esses fundos têm caráter previdenciário, ou seja, são acessados em situações de ocorrência dos riscos previdenciários (aposentadoria, licença doença, maternidade etc.). Essa previdência complementar pode ser administrada pelos fundos de pensão (ou “Entidades Fechadas de Previdência Complementar”, como a Previ, Funcef ou Fundação Itaú-Unibanco) ou por sociedades com fins lucrativos que oferecem planos de previdência complementar (ou “Entidades Abertas de Previdência Complementar”, que comercializam os planos VGBL e PGBL).

Desprovida da característica de complementariedade, a capitalização adotada na PEC não favorece a ampla cobertura, não garante um nível de proteção desejável e transfere todos os riscos para os trabalhadores. Com o regime de capitalização, a Previdência poderá se tornar um mero negócio para os que puderem pagar e um grande negócio para os bancos.

É razoável supor, ainda, que esse regime de capitalização poderá ser vinculado a contratos de trabalho do tipo “carteira de trabalho verde-amarela”, desprovidos de direitos da CLT e da contratação coletiva, com menores encargos sociais e livres da contribuição patronal para a Previdência, como a PEC autoriza. Coloca-se, então, a preocupação de que os empresários passem a contratar empregados exclusivamente nesse sistema, o que obrigaria os trabalhadores a romperem seu vínculo com o Regime Geral, que perderia receitas até se inviabilizar.

Em resumo, as mudanças propostas transferem o risco econômico do Estado para o segurado. A aposentadoria ficará exposta aos humores do mercado financeiro, pois seu valor dependerá da taxa de juros especificada ou da remuneração dos ativos nos quais vierem a ser aplicados os recursos recolhidos em contribuições. E caso não haja contribuição patronal, a contribuição individual terá de ser muito elevada para gerar um fundo proporcional à remuneração do contribuinte, de modo a sustentar, na aposentadoria, o nível de vida que tinha na ativa.

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.

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