O fato foi singelo e rápido. Ano: 1955 ou 1956. Palco: o sítio de meu avô, onde passamos uma temporada. Entre nove para dez horas da manhã. Mamãe chamuscou dois pedaços de vidro de fumaça de candeeiro. Fomos até a frente da casa. Erguemos o vidro em direção ao sol. E, de repente, uma bola diferente, avermelhada apareceu. Nome do fenômeno vivido: eclipse. Foi meu batizado.

Outros eclipses surgiram no meio da minha travessia, até, que na quinta-feira, 26 julho, a notícia do eclipse lunar da sexta-feira buliu com meu coreto. No dia, já na feira, propaguei o fato. Depois, preparei o equipamento fotográfico, carregando a bateria, colocando lente zoom, tirei o binóculo do armário, o diabo a quatro. Agora, era esperar, e eu esperei vendo o tempo fechar, chuva a tarde inteira, o céu coberto de nuvens, o eclipse me rondando a cabeça, a perspectiva concreta de que o maior e mais duradouro eclipse lunar, do século atual, seria apenas uma notícia da televisão e dos jornais, como foi. Guardei os equipamentos. Lá para as tantas, vi apenas a lua, no meio de muita nuvem, já no meio do céu, e, do que pude perceber, uma pequena parte iluminada, como se fosse a casca da banda de um melão. Só.

Se não vi o eclipse da varanda de meu apartamento, também não fui vasculhar o noticiário. Separação absoluta. Me recusei a ligar a televisão, a frustração de não ter inventado um ventilador gigante para jogar para bem longe o bocado de nuvens que se agrupou no horizonte que meus olhos divisavam.

Durante a semana, o eclipse ainda habitou meus pensamentos. Eureca, gritei. E por que não? Encontrei a fórmula. Sugerir ao Executivo federal baixar um decreto, estabelecendo uma noite sem chuva e despojada de nuvens, no litoral, para o eclipse retornar, possibilitando a sua completa visão. Fantástica ideia. O problema agora é como levá-la ao Palácio do Planalto, a fim de ser apreciado e chancelado por Sua Excelência o Presidente da República. Quem puder levar meu pedido, me telefone, por obséquio. (9 de agosto de 2018.)

Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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