Frei Adolfo Temme 15 de março de 2019

Numa cidade distante, nasceu um dia uma criança que era totalmente transparente. Quem olhava para ela penetrava até a alma. Era de carne e sangue, mas o menino parecia ser de vidro; quando caía, criava um galo transparente na testa. Enxergava-se o batimento do seu coração, e todos os seus pensamentos faiscavam como peixes coloridos num aquário. Um dia a criança mentiu por acaso, e logo aparecia a mentira que nem uma bola vermelha atrás da testa. Mas logo ela falou a verdade, e a pequena bola desapareceu. Dalí em diante por toda sua vida nunca mais saiu uma mentira de sua boca.

Em certa ocasião um amigo lhe confiou um segredo, e logo todo o mundo ficou enxergando nele uma bola preta que, inquieta, errava no seu peito: assim o segredo ficou descoberto. A criança cresceu, tornou-se jovem e virou adulto; todo o mundo podia ler os seus pensamentos e adivinhar suas respostas, quando uma pergunta lhe era dirigida, antes mesmo que ele abrisse a boca.

Seu nome era Giácomo, mas o povo só o chamava “Giácomo Cristalino”, e todos o amavam por sua sinceridade. Na sua presença as pessoas melhoravam e ficavam mais amáveis.

Mas infelizmente subiu ao trono naquele país um rei malvado, e para o povo começou um tempo difícil, cheio de injustiça, violência e miséria. Quem ousasse dizer alguma coisa contra isto, desaparecia sem deixar rasto. Quem se revoltava era executado. Os pobres eram perseguidos, humilhados e insultados. O povo sofria calado, com medo das consequências.

Mas Giácomo não podia se calar. Mesmo que não abrisse a boca, seus pensamentos falavam por ele: era transparente, e todo mundo lia atrás de sua testa, como condenava e reprovava as violências e injustiças do rei tirano. Em segredo sussurravam os pensamentos de Giácomo e criavam novo ânimo.

Um dia o rei malvado mandou prender Giácomo Cristalino no calabouço mais escuro. Mas agora aconteceu algo inédito. As paredes da cela que trancava Giácomo ficaram transparentes de um modo misterioso; depois os muros da prisão e finalmente a alta muralha que cercava todo o complexo prisional. Pessoas que passavam por perto podiam ver Giácomo sentado no tamborete e enxergavam, como sempre, todos os seus pensamentos. De noite saía do lugar sinistro uma luz brilhante, e o rei mandou escurecer todas as janelas no seu palácio, para não ver o clarão, mas assim mesmo não podia dormir. Giácomo Cristalino, preso como estava, era mais forte do que ele, pois a verdade é mais forte do que tudo no mundo e mais claro que o dia.
Gianni Rodari

Tradução e Interpretação: frei Adolfo Temme

A volta ao Paraíso fechado.

Giácomo achou a chave.
Diante do Olhar Divino voltou a transparência.
Sem jeito de fingir, voltou a verdade.
Diante do Sumo Bem, voltou a Bondade.
Parece coisa do outro mundo,
mas o menino é de carne e sangue:
Espírito não cria galo na testa.

Quem se encosta em Giácomo
faz parte da nova, da verdadeira vida.
Segredo, cova de ladrões,
ao menino é sussurrado,
é perigo avisado e redimido.

Só que a Tirania invade a harmonia.
O paraíso sobrevive somente no Cristalino.
O preso prende o próprio juiz que perde o sono.
Não há muros que obscureçam a luz da esperança.
Tirano malvado, teus dias são contados.
O Cristal insiste em brilhar.
Verdade expulsa justiça oprimida.
O Menino não perdeu a chave.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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