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A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.
Fernando Pessoa

Tem dias em que nos sentimos como uma espécie de escravos da vida! No geral, procuramos fazer – sempre respeitando as limitações  – o que mais nos dá prazer ou aquilo que pensamos ser o certo, independente de imposições sociais, profissionais, morais, etc..  Mas acabamos nos deixando levar pelo que esperam de nós, seja através dos hábitos, seja através da razão, ou até mesmo da emoção. Afinal, passamos nossa infância e juventude sendo preparados para nos tornarmos pessoas de bem, bons pais – ou mães – de família!

Temos horário para acordar, depois o tempo certo para nos prepararmos para o dia que se inicia, saindo de casa naquela mesma hora, seguindo aquele mesmo caminho, vestindo o mesmo estilo de roupas, comendo o mesmo tipo de comida e falando, quase sempre, com as mesmas pessoas. Não cumprimentamos estranhos, nem mesmo no elevador do nosso prédio. Afinal, não sabemos quem são eles! Ainda mais nos tempos atuais, onde nem sempre a aparência nos mostra o interior das pessoas! Por trás de uma gravata de seda, ou de um vestido elegante, pode existir uma pessoa pronta para nos enganar, nos roubar ou até mesmo – tragédia alimentada por programas sensacionalistas da TV – nos matar!

Também procuramos evitar as paixões! Se tivermos alguém, evitamos conhecer e – Deus me livre! – nos aproximarmos de outra pessoa, mesmo que sintamos aquela comichão da curiosidade, do desejo, da luxúria! Afinal, pra que reavivarmos o brilho nos olhos, aumentarmos o sorriso nos lábios, deixarmos batucar o coração? Isso é coisa de novela! Podemos nos satisfazer com os romances que vemos na telinha, geralmente na novela das nove, e continuar nossas vidinhas tranquilas, sem tropeços, nem horizontes longínquos.

O trabalho não agrada? Não faz com que fiquemos alertas, ou realizados quando dá tudo certo? Não deixa aquela sensação de realização depois de mais uma vitória? Não faz mal! Afinal, é de lá que virá o contracheque, no final do mês, que suprirá as necessidades básicas dos familiares. Prá que arriscar, procurar novos caminhos, chutar o balde, virar a mesa? Afinal, já não somos mais adolescentes! Temos uma família para cuidar, alimentar, educar.

Novos projetos? Sonhos? Fantasias? Coisas de crianças! Ou de adolescentes! Nós, os adultos, devemos ter os pés bem plantados no chão, viver nossas vidas dentro das regras da sociedade, sem grandes ousadias, sem grandes aventuras. Precisamos dar o exemplo para os mais jovens, para que sejam como somos hoje: adultos íntegros, cumpridores dos seus deveres, ciosos de suas responsabilidades e, mesmo que nem sempre: infelizes!

Eu sempre procurei viver o avesso de tudo isso que acabo de escrever. Acordei quando não tinha mais sono, troquei de emprego diversas vezes, até encontrar um em que me identifiquei com o que fazia, com os colegas e com os superiores. Não me casei, não constitui família. Talvez por não ser um exemplo de cidadão adaptado e adequado. Mas vivi muito feliz! Viajei bastante, troquei de amores, vivi paixões tórridas ou sofridas, mudei de cidade, de estado, de casa, tantas vezes que acho difícil listar os lugares por onde andei. Conheci gente nova. Muita! Fiz amizades nos prédios onde vivi, nos elevadores que tomei, nas ruas por onde andei, nos bares que frequentei. Sonhei muito, fantasiei bastante. E sobrevivi! Amigos e, principalmente familiares perguntavam se não sentia falta de uma família (mulher e filhos) e eu dizia “não!”. Sempre convivi muito bem comigo mesmo e, embora viva só, nunca me senti um solitário. Pelo contrário: sempre cultivei a liberdade que me permitia viver da maneira que escolhi.

Hoje, já na idade considerada terceira, vejo minha liberdade tolhida, mas considero boa a causa. Meus pais, muito idosos e doentes, precisam da minha dedicação, dos meus cuidados. E eu dou a eles o que sinto que mais precisam. Isso não é eterno, sei muito bem! Um dia recupero minha liberdade, se é que não me despeça da vida antes. Mas tenho um consolo: vivi bem e sempre fui muito feliz! E mesmo hoje, com as limitações impostas, mantenho o sorriso nos lábios, o brilho nos olhos e não deixo de sonhar, de fantasiar, de desejar. Escolhi, para mim, a autossuficiência e a correspondente liberdade de viver. É assim que sou!

Obs: Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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