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Desde que me lembre a discussão sobre inversão de valores está sempre viva e presente, atravessando os anos, suscitando dúvidas, questionamentos e algumas vezes, uma revisão.

Claro que com o passar dos anos vai havendo o que poderíamos chamar de evolução e alguns valores que antes eram respeitados vão perdendo força.

Mas gostaria de deixar bem claro que isso não se aplica a valores morais como ética, respeito ao semelhante, honestidade, por exemplo. Eu me refiro a valores que estão atrelados a costumes e práticas absurdas, como em relação às mulheres, por exemplo. Antigamente a mulher assim que nascia já era uma espécie de objeto, proprietária do pai, que tinha todo o direito de permitir e proibir o que quisesse, desde que fosse a sua vontade. E a posse da mulher era passada do pai para o marido. Se, antes de casar, o pai morresse, a posse passava para os irmãos. Se não casasse era considerada uma inútil, uma solteirona ou moça velha, como chamavam no sertão, sem recursos próprios, morando com algum familiar que a sustentasse. Não havia saída para a mulher, a não ser para as que enfrentavam os costumes e os tais valores da época e estudavam, trabalhavam e construíam a sua própria vida, sob os olhares e comentários reprovadores da sociedade.

Essa fome de poder que é inerente à raça humana tem, desde os primórdios, escrito a história da humanidade, com tintas de sangue, suor e lágrimas daqueles que vêm sendo explorados e oprimidos, anos após ano, sob diversas formas.

E aí quando a humanidade está, digamos assim, no ápice de seu desenvolvimento tecnológico nos deparamos com um processo de involução em nível planetário. Parece que uma nova ordem universal está se impondo: quanto mais avança em tecnologia mais se retrocede em termos de civilidade.

Enquanto a internet conecta o mundo todo, os telefones viram computadores de bolso, os relógios são inteligentes, os computadores fazem tarefas inimagináveis, inversamente proporcional é o retrocesso político e humano.

Diante da tragédia de Brumadinho, onde centenas de vidas se perderam, uma autoridade comenta lamentando os enormes prejuízos a empresa responsável pelo desastre.

Diante da tragédia de adolescentes mortos em um incêndio enquanto dormiam em um centro de treinamento, sonhando, com certeza, com um futuro melhor, teve que postasse achando ótima a limpeza que o incêndio fez, queimando os garotos.

Quando Marielle e Anderson foram assassinados houve quem achasse bom e aplaudisse. Como há quem aplauda a liberação de armas, o corte nas verbas da previdência, da saúde e da educação.

Enquanto antigamente as pessoas comentavam que não havia respeito aos mais velhos e às suas opiniões, que os bons costumes (da época) não eram mais respeitados, hoje parece que está havendo exatamente uma volta aos tais bons costumes, sem, contudo, haver uma retomada do respeito às pessoas mais velhas. Elas continuam invisíveis para os mais jovens.

O que observamos é um retrocesso de comportamento, de atitude, de bandeiras equivocadamente defendidas. A intolerância está causando uma involução e uma aproximação com a selvageria que já devia estar dominada e que hoje volta, sob aplausos de pessoas que, por falta de conhecimento da história da humanidade, por falta de uma educação cidadã ou doméstica ou por falta de caráter mesmo, voltam a formar hordas de espécimes cheios de preconceitos, desinformação e desejo por sangue.

Machismo, misoginia, homofobia, intolerância religiosa, preconceito de classe e racial, são sintomas de uma humanidade doente, prestes a voltar às cavernas da barbárie.

Um dos sintomas do nível de desprezo em relação ao sofrimento causado pela crueldade da escravidão é comemorar um aniversário usando uma coisa nefasta como tema da festa. E ainda há quem critique as mulheres negras que aceitaram trabalhar na comemoração vestidas de escravas. É a velha prática de condenar o oprimido em lugar do opressor. A escravidão é uma prática cruel, humilhante e que transforma seres humanos em mera propriedade a disposição de pessoas sem escrúpulos e sem caráter. Não há nada, de maneira nenhuma, a se comemorar.

Antigamente os pais tinham orgulho em dizer que o cinturão era a melhor forma de educar. Isso mudou com a evolução da espécie. Porém em pleno século XXI, quando as relações entre pais e filhos se pareciam ter se tornado mais afetuosas e amigáveis, a humanidade engatou a marcha ré e está voltando aos tempos em que a violência era a suposta solução para tudo.

Até que alguns velhos costumes poderiam voltar como por exemplo a educação doméstica mais rigorosa. A falta de educação doméstica, a intolerância e a falta de gentileza estão transformando crianças em aprendizes de tiranos e adultos em déspotas arrogantes e presunçosos.

De onde homens e também mulheres tiraram a ideia de que são superiores por serem ricos e “brancos”? O que lhes dá o direito de humilhar, subjugar e oprimir os outros menos favorecidos financeiramente?

Se você é dessas pessoas que acha que negros e pobres são inferiores por causa da cor e da classe social, que pessoas de esquerdas são todas comunistas e devem ir para Cuba, que Jesus Cristo ignorava as questões sociais e Nossa Senhora era uma mulher submissa, se você acredita que ser homoafetivo é uma aberração ou doença, aplaude a violência contra moradores de rua ou de comunidades pobres, que fica feliz com a injustiça que prende e condena sem nenhuma prova, se diz cristão mas acha que pobre não deve ter os mesmos direitos que você, desculpe a sinceridade, mas você é uma sério/a candidato/a a, em breve, chegar a um estado de intolerância que irá beirar a selvageria. Se é isso que você quer da vida, é uma pena, mas tudo bem, é seu direito se transformar em uma pessoa desprezível.

Agora se você não quer fazer parte da horda dos selvagens de plantão, ainda dá tempo de rever os seus conceitos.

Lembre-se ninguém é melhor do que ninguém por ter dinheiro, ser hétero ou branco/a. O que torna uma pessoa melhor que outra é a sua capacidade de ser altruísta, de se indignar com as injustiças, de se emocionar com as conquistas do mais pobres, de lutar por uma vida digna para todos e todas. Ser uma pessoa melhor que as outras é querer que hajam muitas e muitas pessoas iguais a ela, porque partilhar é a palavra escrita a ferro e fogo no seu propósito de vida.

Ser uma pessoa melhor que as outras é, enfim, ter como princípio que o importante, na verdade, não é ser feliz, é saber fazer os outros felizes.

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
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