Padre Beto 1 de fevereiro de 2019

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Querô é um adolescente, filho de uma prostituta, pobre e órfão, que vive sozinho na região portuária de Santos. Achando-se dono do próprio destino, o garoto não se dobra à disciplina opressora da Febem, ao jogo fácil do tráfico de drogas e, muito menos, aos policiais corruptos que o perseguem. Mas, para manter esta postura de autonomia, acaba pagando um preço alto. Carlos Cortez deixa, através do filme “Querô”, reflexões sérias e importantes sobre a desvantagem existente entre jovens de diferentes classes sociais neste país.
Quando Jesus retorna a sua terra natal, Nazaré, é rejeitado pelos seus conterrâneos (Mc 6, 1-6). Ao tentar transmitir sua sabedoria de vida, Jesus fica admirado pela “falta de fé” daquele povo. Justamente este é o ponto central da narrativa. Para compreendermos sua mensagem é necessário definirmos o que é fé. A fé pode ser compreendida em dois níveis. No primeiro, fé se define como aquilo que movimenta a auto-transcendência e leva a um sentido de vida. Fé é uma força interior que pode ser dirigida a qualquer coisa e, através desta, nos faz transcender, nos faz vivenciar uma transformação. Neste sentido, não há nenhum ser humano que não tenha fé. Nós sempre depositamos nossa força interior em alguma coisa, pessoa, instituição ou idéia. Nós podemos direcionar nossa fé ao dinheiro e, assim, transcendemos em busca de acumulação de capital. Esta fé nos transforma. Podemos ter um coração generoso, mas a fé depositada no dinheiro nos leva cada vez mais a sermos egoístas no que diz respeito ao capital que possuímos. Nós podemos depositar nossa fé nas drogas, acreditando que a cocaína ou o crack nos leva a prazeres inigualáveis. Neste caminho, passamos por uma transcendência, mas esta nos leva a uma autodestruição. Nós podemos depositar a nossa fé em uma pessoa de carne e osso e nos anularmos como pessoa ao realizar o que ela deseja porque estamos, por exemplo, apaixonados por ela. Enfim, o ser humano transcende a partir do momento que deposita sua fé em um objetivo. A questão primordial é saber qual objetivo nossa fé está depositada e em qual direção nos leva a transcendência gerada por ela. O segundo nível de fé é a material, ou seja, quando somos possuídos por uma Presença Espiritual e, através desta, nos abrimos à unidade transcendente da vida. Neste caso se encontra a fé que chamamos de cristã, a fé em Jesus como Cristo. Direcionar nossa fé ao Cristo significa transcender em nosso mundo através dos valores universais que Jesus viveu e aos quais damos o nome de Cristo: amor à vida em sua totalidade, honestidade, franqueza, solidariedade, etc. Desta forma, nós transcendemos concretamente em busca da transformação do mundo e da vida no Reino de Deus em um universo que permita a vida para todos. Esta transcendência não possui fim, e é por esta razão que dizemos que a conversão é um processo que só termina com a nossa passagem para a dimensão superior, ou seja, só termina com a morte.
Quando Jesus admira a falta de fé daquele povo, na verdade, ele está admirando a fé pobre e medíocre. Uma fé direcionada a pequenas coisas como dinheiro, propriedade, sobrevivência individual. Por isso, diante da sabedoria de Jesus, aquele povo não desejava aprender algo maior do que aquilo para qual a sua fé estava direcionada. Jesus chega simplesmente ensinando na sinagoga, mas ensinando sabedoria, ou seja, a profundidade da vida. Hoje, a sociedade de consumo nos coloca diferentes coisas sobre as quais depositamos a nossa fé: poder de compra, sucesso individual, fama, dinheiro, status social. Assim, nos tornamos pessoas de “cabeça dura e coração de pedra” (Ez. 2, 2-5). Cabeça dura é aquele que não sabe refletir e não vai além de seu próprio umbigo. Tem coração de pedra aquele que é insensível, que vai se acostumando com situações que deveriam lhe chocar. Nós depositamos nossa fé nas ofertas da sociedade de consumo e nos acostumamos com uma péssima educação pública, um péssimo sistema de saúde, com miséria em um país da abundância. O Cristo ficaria admirado conosco.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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