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Ao receber de um dos meus irmãos uma mensagem com a foto da Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Barbalha-CE, vieram-me à lembrança gratas recordações que me transportaram ao tempo e ao espaço daquela antiga igreja onde vivi momentos de fé, de beleza e de espiritualidade.

Na minha infância e juventude cantei muito na igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde, antes das missas de domingo, que eram celebradas naquela igreja, às cinco horas da manhã,  cantava-se o Ofício da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Naquela hora matinal os participantes eram principalmente as comunidades pobres do entorno da igreja, bem como as pessoas mais velhas, residentes nas proximidades. Após soarem as ultimas badaladas do sino, chamando os fiéis para a missa, ouviam-se as primeiras estrofes do Ofício da Imaculada Conceição da Virgem Maria:

“Deus vos salve, Filha de Deus Padre, Deus vos salve, Mãe de Deus Filho, Deus vos salve, Esposa do Espírito Santo, Deus vos salve, Sacrário da Santíssima Trindade. Agora lábios meus, dizei e anunciai os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus”….

O ofício era composto de 41 pequenas estrofes, referentes aos diversos momentos: Matinas, Prima, Terça, Sexta, Noa, Vésperas e Completas, mais o Hino e a Oração, intercalados entre as estrofes, correspondentes às horas do dia, do antigo Ofício Divino, o qual era a oração diária da Igreja, cantada e rezada por todo o povo cristão.

Era emocionante ver e ouvir naquela igreja  todo o povo cantando de cor, numa melodia simples e bela, que foi passada de geração em geração. Confesso que ainda menina, às vezes custava-me acordar tão cedo para ir à missa, que ainda era rezada em latim. Mas quando me lembrava do Ofício, deixava de lado o sono e íamos, minha irmã e eu à missa dominical na igreja do Rosário. Daí foi que gravei na memoria todo o Ofício que até hoje ainda sei de cor.

O referido Ofício é um resquício do originário Ofício Divino, hoje Liturgia das Horas com o qual a Igreja celebrava as horas do dia louvando a Deus, juntamente com toda a comunidade cristã, que nos primórdios da Igreja eram pessoas simples, do campo e das pequenas aldeias e vilas.

Todavia, após a mudança econômico-social do mundo que passou da sociedade rural para a era industrial trazendo como consequência  a migração das populações do campo para as cidades, a pujança do Ofício Divino nas principais horas do dia, foi rareando, limitando-se a sua oração às Laudes matinais e às Vésperas ao cair da tarde, até chegar ao ponto de ser rezado somente nos mosteiros, os quais, sabiamente, conservaram a riqueza litúrgica e a beleza desse grande patrimônio espiritual, o Ofício Divino, que posteriormente tornou-se oração diária obrigatória para os padres, bispos e religiosos, o chamado Breviário.

Entretanto, após o Concilio Vaticano II, com a adoção do vernáculo em substituição ao latim na Igreja, o que tornou possível ao povo a leitura da Bíblia e o conhecimento da Palavra de Deus, através dos Evangelhos e das diversas leituras, o originário Ofício Divino foi resgatado no Brasil, sob uma forma acessível ao povo em geral, preservando-se e retomando-se as orações, hinos e principalmente os Salmos, sendo tudo traduzido do latim para uma linguagem popular, cuidadosamente inculturada nos cantares e nas falas do povo.

Vale registrar que a inculturação do antigo Ofício Divino, permitindo ao povo o acesso à oração da Igreja, deve-se especialmente ao zelo de alguns padres no interior do Nordeste, inicialmente em Ponte dos Carvalhos-PE, de onde se espalhou como chuva para todo o Brasil, sendo seus maiores protagonistas os padres também grandes compositores litúrgicos, Geraldo Leite e Reginaldo Veloso, para citar apenas esses dois baluartes do atual ofício, que depois pelo seu formato popular e regional tomou o nome de Ofício Divino das Comunidades.

Atualmente, o Ofício Divino das Comunidades cativou comunidades populares em todo o Brasil, por ser apropriado principalmente às Celebrações da Palavra, às reuniões comunitárias e às diversas ocasiões em que se celebram os acontecimentos e a vida do povo, suas alegrias e dificuldades, tendo por isso, sido consagrado popularmente e divulgado pela Rede Celebra de Animação Litúrgica, cuja proposta de evangelização libertadora através da Bíblia e da Liturgia, utiliza o Ofício Divino das Comunidades como oração privilegiada da Igreja para o louvor e o serviço do reino de Deus, integrando-se perfeitamente com a religiosidade popular, considerada pelo Papa Francisco um patrimônio espiritual da Igreja.

E assim, o Ofício Divino das Comunidades vai se tornando a oração do povo de Deus, sendo rezado de Norte a Sul, de Leste a Oeste, pelas comunidades populares que dele se apropriaram como oração Cristológica da Igreja, pois tem Cristo como centro de toda a sua espiritualidade.

Obs: Imagem enviada pela autora

A autora é advogada e militante política em favor da Democracia, pela Verdade e Justiça.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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