A caminhada, três a cinco vezes na semana, foi recomendação do cardiologista Dr. Souza. Queria que eu vivesse mais tempo e melhor. Ir até o Riomar, sentar quase sempre na mesma mesa, tomar água de coco ou cafezinho, observar o ambiente e trocar palavras com alguns amigos eram decisões minhas.
Certo dia, surpreendi-me quando meus olhos estáticos e admirados contemplaram uma mulher jovem, graciosa de curvas bonitas e suavemente sinuosas. Esbelta, percorria as ruas do shopping com passos harmoniosos, assemelhando-se a um bailado de discreto rebolado. Suas roupas elegantes e bem adornadas ao corpo, deixavam transparecer de forma sutil, no entanto, excitante, os movimentos das nádegas, de base larga, e dos seios, de tamanho e forma, adequados ao corpo.
Em cada encontro, de modo fortuito, eu admirava mais atento e minuciosamente os traços da sua silhueta e a imaginava despida, para lambuzar o batom do seus lábios, sentir o sal do suor de seus seios e vadiar no calor de seu corpo. Minha alma ficava atormentada, tornava-se incontrolável e entrava em transe no seu campo magnético afrodisíaco, ativando sensações agradáveis nas partes pudendas adormecidas.
As conquistas desempenham um papel importante na autoestima, entretanto, nem sempre é possível escolher e conquistar de forma racional a quem amar. Depois de três anos de solidão, resolvi promover uma caçada puntiforme até alcançar o coração da gazela que atiçava minhas vontades. Passei a frequentar mais vezes os lugares onde era possível encontrá-la. Batia o Shopping todo à procura de suas manifestações eróticas para entusiasmar meus sonhos.
Certa manhã, inesperadamente, entra no consultório uma mulher com os mesmos ares do fetiche das minhas caminhadas. Tomou postura corporal espontânea e apropriada, cerimoniosamente cumprimentou-me e fez referências sobre minhas ligações com sua família, para ser identificada. Rebusquei, nos cantos mais escondidos da memória, os traços físicos e psíquicos aparentes da mulher do shopping e encontrei várias semelhanças: mesma arquitetura, idêntica condição social externa, igual suavidade nos gestos, mesma cordialidade, afetuosidade e discreto embaraço na voz. Foi diferente de conhecer alguém em uma festa. Nunca houvera, antes daquele momento, um encontro face a face e detalhes como os olhos, lábios e sorriso, permaneciam turvos na minha mente. No entanto, da mulher em minha frente afloravam estímulos agudos e agradáveis que só a mulher do shopping exalava. Houve perturbações em todos meus sentidos. Meu coração tornou-se aflito, minha respiração profunda e difícil, e meu corpo parecia envolvido por uma brisa suave e fria, mas, na posição que me encontrava, não era ético qualquer envolvimento além do solicitado e esperado. Sua formosura invadiu meu corpo e ameigou minha alma e tudo que eu pensava ou fazia, dissimuladamente procurava sua direção. Estava frente a frente com a sacerdotisa de meu catimbó erótico.
Foi a maior paixão da maturidade e mesmo suas intrusões, durante a madrugada, tornavam agradável até a miserável insônia. Os dedos das mãos sobravam quando eu contava, um a um, nossos encontros de abraços e beijos encabulados. Estava desarmado para enfrentar tempestades quando ela escreveu adeus. Guardava um mar de abraços e uma estrela de primeira grandeza de beijos e terminei sem ombro para chorar, sem casaco para proteger-me dos arrepios de frio e sem travesseiro para cochilar e receber os abraços. Sobrou-me apenas saudade angustiante e a noite para dormir sozinho, esperando por ela livre, leve e solta. Saudade existe para nos ensinar a chorar.20/11/2016
Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.