o desconhecido me abraçará naquele momento
em que atordoada e molhada
me subirá uma raiva como se a ferida fosse no meu orgulho
não será nada comigo
apenas uma noite de chuva em que eu estarei no lugar errado
o desconhecido certamente já terá se acostumado às noites tempestuosas
entretanto seu abraço me parecerá trêmulo
engasgado talvez
e a sensação de invasão que me tomará
será também dele
por mais que a apólice de seguro vá fazer nascer-lhe o dia seguinte
ele se sentirá invadido
e me transmitirá uma covarde impotência
dura e me sentindo juíza da situação
escorregarei daquele abraço
e me encherei novamente da raiva que será minha garantia
e me lembrarei
por mais que eu venha me sentir agredida
não farei parte das estatísticas
nem o fará um roubo de carro de aplicativo
talvez alguns dias à frente
os dois rapazes sim
mais dois mortos pela polícia ou pelo tráfico
numa fileira de reconhecimentos onde duas mães se perguntarão em quê erraram
como se alguém desconhecesse determinados erros quando eles são inevitáveis
então desejarei terminar a história de um jeito elegante
falando de paz
não uma paz absoluta e utópica como diria o poeta
mas aquela que nos levará a fechar os olhos e dormir
mas certamente serei brusca o bastante
para voltar à morte anunciada e lá colocar meu ponto final.
Obs: Lourença Lou
para Marcio Hachmann – porque ele me lembrou de outros tempos
para Antonio Torres – porque ele me lembra de dengos em meio ao caos
para Fátima Castro – porque gosto dela nestas coisas da vida