Ina Melo 15 de fevereiro de 2019

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A cidade se despedia do outono. Folhas cobriam as ruas de dourado. A mulher caminhava com passos firmes deixando-se acariciar pela suave brisa da manhã. Em que pensava? Por que tanta placidez nas faces coradas? Por que tanta felicidade? Indagava curioso seguindo-lhe discretamente os passos. Atravessamos o pátio ainda vazio àquela hora da manhã e entramos na majestosa igreja. Silêncio profundo. As luzes bruxuleantes das velas, cheiro de incenso e vozes diáfanas, davam-me a sensação de que o céu tão falado pelos cristãos, deveria ser assim. Parei á uma certa distância e vi quando, contritamente ela ajoelhou-se. Com os olhos voltados para o alto orava. De uma forma discreta me aproximei sentindo o perfume doce e suave que emanava daquele corpo firme, apesar das formas arredondadas impostas pela maturidade. Ela, com um leve movimento nos lábios fazia uma prece silenciosa e lágrimas, quais pequenas pérolas escorriam-lhe pela face. O tempo foi longo. Prendendo a respiração não quis me fazer notar. Aos poucos fui me afastando. Parei na entrada principal da nave e resolvi esperar. Acendi um cigarro e distraído me envolvi com o fluxo de turistas. Não sei precisar o tempo, mas quando dei por mim, ela seguia apressada em direção a um café do outro lado da rua. Corri em sua direção e vi quando sentou dirigindo-se com um leve sorriso para o Mâitre. Um pouco adiante de pé, curioso a observava. Não lembro dos meus propósitos naquela manhã de domingo parisiense, tão empolgado estava pela mulher madura e silenciosa que tanto despertou minha atenção. Quando o garçon chegou trazendo uma taça de morangos com “Chantilly” e um copo de vinho tinto, tive a certeza de que ela não esperava ninguém. Sorrateiramente, qual um inseto invasor, me aproximei da mesa e pedi licença, coisa muito comum nos cafés parisienses. Ela assentiu com a cabeça sem levantar a vista. De propósito, sentei-me bem à sua frente e assim pude observar-lhe os movimento prazerosos com que levava à boca os morangos envoltos na brancura do creme, enquanto sorvia vez por outra, o líquido vermelho. Olhando-a fixamente, vi que era correspondido, quando duas enormes luas azuis invadiram o meu olhar. Foi então que os elétrons se uniram e a química aconteceu. Sorrindo estendemos às mãos e, numa linguagem muda que só os mágicos podem entender, nos apaixonamos à primeira vista, numa bela e esplendorosa manhã de um outono parisiense. Depois de um longo período de palavras soltas ao vento e com várias taças de “bordeaux “ na cabeça, saímos de mãos dadas a caminhar pelas ruas da bela cidade. Fizemos tudo o que era permitido a um turista de primeira viagem. Andamos no ônibus panorâmico, fomos ao Louvre, ao Museu d’Orsay, Tulherias. Subimos a colina de Montmartre, indo almoçar quase no fim da tarde num bistrô em Montparnasse. Continuamos a perigrinação amorosa passeando no Bateaux-Mouche, deslumbrados quais adolescentes com a lua que despontava no céu iluminando o mundo. A noite foi longa e deliciosa. Acordamos no charmoso hotel Carnavalet, no Marais, com os pombos arrulhando alegremente nas janelas envidraçadas. Nos abraçamos e seguimos pela vida afora até que um dia a morte venha nos separar. Paris, out/06.

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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