(professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio,
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio *)
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Nada de mais humano existe do que uma mulher grávida.  E, no entanto, nada mais divino.  Aquelas de nós que já fizeram essa experiência sabem a que me refiro. Trata-se de estar habitada e esperar ao fio dos dias e das horas que essa “in-habitação” chegue a termo e derrame seu fruto em outro espaço: o mundo.

Andando pela rua podemos ver os ventres crescidos das mulheres habitadas.  Primeiro é algo invisível e quase insensível.  Há sinais: os seios mais escuros, os enjoos quando os há, a sensação de estar “diferente”.  Mas a forma no início ainda é apenas visível pela alta tecnologia das ultrassonografias. De uma certa maneira é um tempo mais de fé do que de certeza.

 Depois essa fé vai tomando vulto e se convertendo em certeza ao ritmo do crescimento do hóspede no seio materno. O “outro” que habita o corpo da mulher faz sentir sua presença com movimentos, cambalhotas, chutes, socos. Pode ser visto pelas lentes do ultrassom chupando o dedo, abrindo os olhos, estirando-se e espreguiçando-se.

À mãe resta esperar e acompanhar. Sentir em si mesma essa alteridade que é si mesma, mas, no entanto, tão diferente.  Sentir e esperar que cresça, que chegue a termo.  Sentir e esperar a hora.  Quando as contrações chegam, o corpo se abre e se parte, e o parto acontece.  O choro rompe o silêncio e anuncia sua presença única e desejada.

Estamos acostumados a pensar no Natal como uma festa solene e sobrenatural.  Ela o é. Mas o que nela se celebra é o termo de uma gravidez.  É o fato inaudito de que na plenitude dos tempos Deus haja enviado ao mundo seu filho nascido de mulher.  O tempo do Natal que ora vivemos é o tempo de acompanhamento, espera e diálogo com o ventre grávido e os seios túrgidos de uma jovem mulher – Maria de Nazaré da Galileia – que se prepara para dar à luz um filho.

Por que a solenidade?  Por que os sinos, as velas, o incenso?  Se a cada momento, em cada esquina, em cada casa, há uma mulher que esperou por nove meses a criança querida que um dia chegou, nasceu e chorou, o que há de extraordinário nesse tão ordinário fato de uma gravidez e uma espera que deverá ter o mesmo desfecho de milhares, milhões ao redor do mundo?

O extraordinário está justamente no ordinário.  Está no fato de que o Senhor do Tempo e da História, o Criador do mundo com tudo que ele contém esteja vindo ao nosso encontro pelo ventre de uma mulher como todo ser humano nascido nesta terra. O Verbo que existia desde antes da Criação, que estava diante de Deus e que era Deus disse sua primeira palavra entre nós.  E foi um choro de recém-nascido. O Verbo se fez carne e habitou entre nós e a primeira manifestação de sua glória foi um choro de criança que só quer mamar e estar acalentado no colo da mãe.

Aquele que habitava o ventre de Maria e mamou em seu peito passou a habitar o mundo.  Aprendeu a caminhar, a falar, a comunicar-se. Sentiu fome, frio.  Cresceu em graça e sabedoria.  E quando se manifestou aos seus contemporâneos, estes disseram: “Ninguém jamais falou como este homem”. E acrescentaram, perplexos: “Mas não é ele o filho do carpinteiro?  Não se chama sua mãe Maria? “

Sim, ela se chama Maria.  E o mistério de seu ventre grávido e seu corpo habitado continua acontecendo hoje como há 2000 anos atrás.  Às vezes é gravidez de risco.  Outras, o parto se dá no chão de um hospital porque não há leito disponível.  Como outrora no estábulo e entre os animais, o menino deve nascer sobre ladrilho e cimento, sem ninguém para ajudar por perto, contando apenas com a própria mãe para fazê-lo emitir o grito primal, o choro libertador que anuncia a vida.

Não é por isso algo menos extraordinário, menos divino, menos misterioso.  Uma mulher está grávida e espera um filho.  É a humanidade que acolhe novamente este dom inaudito da vida que se reproduz e multiplica.  É o Advento de um novo ser que rompe as paredes do útero e aporta na luz e no ruído do mundo.

É Natal. Nosso olhar se dirige a essa mulher.  É muito mais importante que o Papai Noel, que a árvore, que os presentes, que a ceia.  É a maternidade, é o milagre da vida acontecendo de novo.  É a carne humana habitada pelo Espírito de Deus.  Isto é o Natal: a festa da vida frágil e desprotegida que chora.  É a celebração da gravidez e da espera. Cheia de graça. Habitada pelo Verbo.  Ave Maria.

Obs: Maria Clara Bingemer é  autora de “Mística e Testemunho em Koinonia” (Editora Paulus),  entre outros livros.

Copyright 2018 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato: [email protected]

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