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No mês de dezembro fui apresentada por uma amiga a uma música que eu deveria conhecer e que, inexplicavelmente, desconhecia: EU SÓ PEÇO A DEUS. E foi totalmente amor à primeira vista. A começar da primeira estrofe que diz exatamente o que eu espero da vida:” Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente, que a morte não me pegue um dia, solitário sem ter feito o que eu queria”. Sempre digo que cada um de nós nasceu para fazer a diferença, para tornar o mundo melhor à sua passagem. E estou falando daquele MELHOR amplo, que atinge a todos e todas ao redor. E não apenas o melhor individualmente ou, no máximo, para a família ou, quem sabe, alguns amigos.

Lançada em 1986, a música é um o fruto de uma parceria entre o brasileiro Raul Elwanger e do argentino Léon Gieco. Ouvi-la na voz forte de Mercedes Sosa e na doce voz de Beth Carvalho é um presente que me dou, frequentemente. Presente sempre acompanhado da pergunta: como passei 32 anos para descobrir essa música?

A segunda estrofe nos diz: “Eu só peço a Deus, Que a injustiça não me seja indiferente, Pois não posso dar a outra face, Se já fui machucada brutalmente”?

Para o cristianismo o perdão é uma coisa imprescindível. Se não há perdão, se não há reconciliação, se está indo de encontro à doutrina cristã. Mas existe o outro lado perdão, que muitas vezes esquecemos é que para o perdão ser completo alguém perdoa e a alguém quer ser perdoado. E quantas vezes devemos perdoar? Jesus Cristo fala em setenta vezes sete e em dar a outra face. Ouvindo essa música, e, especificamente essa estrofe, me veio uma questão: uma pessoa brutalmente torturada física e psicologicamente, destruída em sua essência, caso seja sobrevivente, como esperar que ela perdoe os seus algozes? Uma pessoa que coloca a boca de alguém em um cano de escape de um carro ligado, que pendura no pau de arara, que dá choques elétricos nas partes genitais, apaga cigarro na língua do outro, que coloca a cabeça de uma pessoa dentro de um tanque cheio de água e segura, como uma pessoa que passou por isso teria que perdoar a mão que a destruiu? E não venham me dizer que muitos apenas cumpriam ordens e que por isso não devem ser condenados. Essa não dá para engolir. Porque não me consta que nenhum daqueles torturadores fosse escravos ou fossem obrigados a fazer aquilo. Poderiam pedir demissão e procurar outro emprego.

E pensando nessa barbárie praticada por pessoas muito más, entendo perfeitamente quando a letra da música questiona dar a outra face quando foi ferido brutalmente. E quantos de nossos irmãos e irmãs ainda continuam sendo feridos brutalmente diante da intolerância insana e do preconceito sem explicação?

Como perdoar a brutalidade e como entender que exista quem concorde e aplauda a violência contra seus semelhantes?

A próxima estrofe “Eu só peço a Deus que a guerra não me seja indiferente. É um monstro grande e pisa forte Toda fome e inocência dessa gente”. Vejam que trinta e dois anos depois, a letra continua atual. Continua atual porque o ser humano não mudou, não evoluiu, não dominou esse extinto medonho de ter poder e dominar o mundo. As guerras continuam, as pessoas continuam matando umas às outras enquanto, muitas vezes, os senhores das guerras ficam em segurança, em suas casas, apenas administrando, de longe as perdas e os ganhos.

“Eu só peço a Deus Que a mentira não me seja indiferente.Se um só traidor tem mais poder que um povo, que este povo não esqueça facilmente”. A penúltima estrofe apela para que o povo não esqueça, o que, infelizmente, pelo menos no Brasil, é o que mais acontece. O povo tem memória curta.  A média dos brasileiros não gosta de ler, não estuda história e não guarda na memória, o que acontece entre uma eleição e outra. E daí elege sempre os mesmos, que cometem os mesmos erros, as mesmas corrupções, as mesmas promessas que nunca cumprem e assim seguem acreditando no que lhes dizem as mídias, os patrões, os amigos, sem memória do passado, apenas armazenando o que lhes aparece no presente.

E a música finaliza assim: “Eu só peço a Deus que o futuro não me seja indiferente, sem ter que fugir desenganando, pra viver uma cultura diferente”. E essa é a situação de milhares de refugiados no mundo, que fogem das guerras, da miséria, das perseguições políticas, das sentenças de morte, buscando em outros países um abrigo para os seus corpos cansados de tanto sofrimento.

Era assim há 32 anos. É assim agora. Será assim no futuro? Uma outra música, cantada por Simone pergunta “O que será o amanhã, como vai ser o meu destino?”. Essa é a pergunta que cada um de nós se faz hoje, diante de um mundo onde as sementes do amor que Dom Helder queria deixar espalhada, estão a procura de terreno fértil.

Que pelo menos os que acreditam que um mundo melhor é possível não deixem para depois o que é preciso fazer para que, depois de nós, o amanhã não seja impreciso e que a morte nos encontre juntos, de mãos dadas, tendo feito tudo o que queria.

Obs: A autora é jornalista, blogueira e Assessora de Comunicação do IDHeC – Instituto Dom Helder Camara.
Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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