Do que me recordo, porque era um sonho, e é no campo do sonho que me situo, havia um umbuzeiro com menos de um metro, carregado de umbu, perto de amadurecer, por todos os lados, numa uniformidade tão perfeita que parecia que cada fruto foi manualmente ali pregado. Não consigo mais nenhum lance, porque os demais se perdem e se misturam a outros sonhos, de modo a não me oferecer um quadro completo de tudo. Então, me vêm à tona outros sonhos, especialmente um, no qual apareço num sítio, cheio de mangueiras altas, copas grossas, eu, no meio delas, sem saber qual manga deveria colher, indo de uma a uma como uma galinha choca. O sonho se encerra, ou eu me acordo quando ainda não fiz a escolha da manga, que, assim, permanece pendurada na mangueira, sem que minhas mãos possam abarcá-la. Nunca mastiguei uma manga em sonho.  Continuo em completo jejum.

Ofereço outro dado: não vejo o sol. Sinto que nuvens tomam-lhe a frente, como se o céu estivesse sempre nublado. Há luz, sim, mas o azul do céu não aparece, o que talvez se explique pelo fato de, no sonho, estarmos a dormir, e se dorme é com os olhos fechados, a exceção do artista nos velhos filmes americanos de cauboy.  O certo é que vejo as mangueiras, onde as mangas se destacam, mas o azul do céu não se apruma no lugar, ficando os olhos satisfeitos com o estoque de mangueiras e destas, as mangas, sem lugar para nenhuma ser devorada.

Quiçá um psicólogo explique o significado de meus sonhos com mangas e mangueiras e outras poucas frutas, essa terrível obsessão por quintais longas e superlotados  de mangueiras sempre altas e robustas. Talvez seja um reflexo de situações que possa ter vivido em encarnações passadas, se é que estas, efetivamente, ocorreram, e que, agora, retornam à tona, por ter restado alguns fragmentos no cérebro, a mexer com o ambiente do subconsciente. Depois o terrível medo do escuro, que me dá a sensação de já ter sido enterrado vivo, não seria um resquício do pavor que me tomou quando me vi sepultado, sufocado num caixão, sem visão de nada, na certeza de a verdadeira morte se encontrar tão próxima. Sei não. Me atormenta  querer, na marra, interpretar o sonho desprovido de qualquer ciência para tanto. (12 de setembro de 2017)

Obs: Publicado na Folha de Pernambuco
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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